Cultura Pop – Dimitri Vieira https://dimitrivieira.com Escrita Criativa, Storytelling e LinkedIn para Marcas Pessoais Wed, 03 May 2023 12:53:38 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.2 https://dimitrivieira.com/wp-content/uploads/2022/05/cropped-Frame-9-1-80x80.png Cultura Pop – Dimitri Vieira https://dimitrivieira.com 32 32 Tudo em nome dos cliques: vale a pena apostar todas suas fichas em um “viral”? https://dimitrivieira.com/tudo-por-um-viral/ https://dimitrivieira.com/tudo-por-um-viral/#respond Wed, 03 May 2023 00:28:05 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=9080 2 milhões e 800 mil pessoas. Um único post.

É cada vez mais comum vermos pessoas ostentando métricas assim, não é? Agora, o que esses números te contam?

Esse foi o resultado de um conteúdo meu e já vamos falar sobre ele.

Primeiro, precisamos conversar sobre o fenômeno que se tornou viralizar nas redes sociais. Numa era em que 75% dos jovens brasileiros sonha ser influenciador digital, ter um post viral se tornou o pote de ouro do outro lado do arco-íris.

Todos os dias, conhecemos uma nova história de alguém que explodiu depois de um único post alcançar milhares de pessoas. É o novo “estourou da noite pro dia”.

Para muitas pessoas, viralizar se tornou um caminho. Para outras, mais do que trajetória, é a única finalidade de criar qualquer conteúdo.

Mas o que existe por trás de um viral?

Para começarmos essa conversa, poderia escolher vários exemplos: Luva de Pedreiro, Lil Nas X ficando milionário do dia para a noite graças ao TikTok, Anitta conquistando o topo do Spotify Global com uma música lançada meses atrás que — adivinha? — viralizou nas redes sociais.

Preferi escolher um exemplo que conheço bem e que aconteceu antes da rede social das dancinhas nascer.

O nascimento de um viral

3,4 bilhões de visualizações. Esse é o número atualizado do clipe de uma música publicado no YouTube em 2012, de um cantor folk, que continua no Top 30 vídeos do YouTube até hoje.

Na época, o compositor já fazia seus shows, mas passava boa parte do tempo como um artista de rua, apresentando-se com a capa do violão sempre aberta para receber uns trocados e com algumas cópias de seus CDs à venda.

Nessa fase da carreira, ele convivia com muitas pessoas de origens e histórias diferentes. Nas ruas, praças e em hostels.

Muitas dessas histórias acabaram se tornando algumas das minhas músicas preferidas que ele escreveu.

Talvez, quem sabe, alguma delas seria seu grande hit que o tornaria mundialmente conhecido e faria com que ele não precisasse mais ser um artista de rua?

Não foi o que aconteceu.

Mike Rosenberg, mais conhecido como Passenger e mais conhecido ainda como cantor de Let Her Go, escreveu uma música que ele próprio descreve como uma canção clichê sobre um término de relacionamento.

Foi ela que alcançou o topo em 16 países, mais de 3 bilhões de pessoas no YouTube e chegou a ser o vídeo mais assistido na história da Austrália.

Como um bom fã chato, é claro que aprendi a detestar Let Her Go e, sempre que posso, faço questão de passar a música. Então, aqui, não teria como fazer diferente.

Em vez de um vídeo dela, prefiro te mostrar esse abaixo, mas tem um motivo especial (além do cover maravilhoso de Don’t Think Twice, it’s Alright do Bob Dylan).

Esse vídeo foi gravado por alguém que passava pelas ruas de Hamburgo, no dia 17 de junho de 2012. Um mês antes do futuro hit do cantor ser postado.

É maravilhoso apertar o play e imaginar que o Mike do vídeo não fazia ideia que sua vida mudaria tanto em tão pouco tempo.

Fica ainda melhor se você conhece mais do trabalho do cantor.

A música autoral que ele canta, Words, somente seria lançada oficialmente em um álbum 3 anos depois, no excelente Whispers II. Isso é só um pequeno exemplo do repertório gigantesco do cantor, que lançou 14 álbuns na carreira até o momento.

Também é impressionante como a essência da sua performance em shows é a mesma do vídeo. Tive o prazer de ver três shows dele ao vivo e, inclusive, dois deles tiveram abertura do Stu Larsen — o mesmo cantor que o acompanha nessa gravação.

Let Her Go nunca foi fabricada para viralizar. Era apenas a próxima música — como ele sempre faz questão de contar após tocá-la em shows.

O que os números (não) contam?

Agora que o artigo ganhou uma trilha sonora, podemos voltar para o post de 2 milhões e 800 mil pessoas.

Era novembro de 2022, dia da estreia do Brasil na Copa do Mundo, o jogo mal tinha acabado e as redes sociais já estavam abarrotadas com histórias de superação e lições de moral inspiradas no gol do Richarlison.

Na época, estava divulgando meu trabalho e o curso de LinkedIn para Marcas Pessoais numa frequência maior. Decidi dar um respiro e, em vez de falar do gol do Brasil, decidi escrever sobre o canal onde assisti ao jogo: a estreia do Casimiro na transmissão da Copa.

Um texto rápido que não me tomou 10 minutos, uma pesquisa por uma foto do Cazé e pronto. O que seria apenas um respiro se tornou um dos meus posts com maior alcance no LinkedIn.

Em vez de teorizar sobre os motivos de ter tomado essa proporção toda, vamos nos ater aos números e aos resultados.

2 milhões e 800 mil.

Chama bastante atenção, rende um belo slide em apresentações para falar sobre o alcance orgânico do LinkedIn e foi um belo cartão de visitas para novas pessoas conhecerem meu trabalho — especialmente porque direcionei o foco do texto para Creator Economy.

Mas resultados mesmo? Já tive conteúdos com 20 curtidas que me trouxeram cliente, mas ainda não descobri alguém que chegou especificamente por esse post do Cazé.

Na maioria das histórias contadas sobre virais, os números impressionam, mas não te contam a história toda — especialmente se contadas pelos autores dos virais.

Quando não tem um contexto, então, pode desconfiar sempre.

Não vou mentir, faz muito bem pro ego ter um post com um alcance desses e é justamente assim que a busca por um viral pode se tornar uma armadilha.

A armadilha da busca constante por um viral

Quando algo ganha uma lei, é fácil ver que o buraco é mais embaixo.

É o caso da placa de proibição inusitada que encontramos por aí: se ela existe, é porque já houve problemas o bastante com aquilo para justificar uma placa.

E graças a um artigo recente do Vitor Peçanha, descobri que existe uma lei para essa discussão:


“Quando uma medida se torna uma meta, ela deixa de ser uma boa medida.”

Charles Goodhart – 1975


Um exemplo dessa lei, que o Peçanha trouxe no texto, aconteceu na Índia durante o domínio britânico. Na tentativa de reduzir a população de cobras venenosas, os governantes passaram a pagar uma recompensa por cada cobra que os locais conseguissem capturar.

O resultado?

Em vez de apenas capturar cobras, não demorou para os indianos começarem a criar suas próprias cobras para aumentar suas rendas. Vendo que a situação piorava, os britânicos pararam de pagar pelos animais e os locais que criavam cobras em cativeiro soltaram todas na natureza.

É sedutor falar apenas de temas em alta para tentar repetir a dose de dopamina de um viral. Nessas horas, o criador de conteúdo do LinkedIn se torna especialista em carreira, mercado de trabalho e investe pesado em indiretas para a ex(empresa).

Eu poderia me tornar o “especialista em Casimiro”. O Passenger poderia apostar apenas em clichês românticos. E poderia — aliás, pode — funcionar.

Mas, se tudo o que você faz é tentar criar um viral, o que as pessoas vão encontrar quando chegarem em seu perfil? Uma miscelânea de temas em alta e frases de efeito?

Se milhares de pessoas conhecerem você dessa forma, vai surtir algum efeito positivo além da dose de dopamina? Porque, na melhor das hipóteses, um viral se torna um belo cartão de visitas para conhecerem seu trabalho.

Mas e quando o seu trabalho se torna viralizar?

Histórias de virais trazem uma visão distorcida pelo efeito da retrospectiva. Na maioria dos casos, o criador apenas fazia seu trabalho, em vez de fabricar virais.

Inverter essa ordem até pode funcionar, mas a busca desenfreada para viralizar a qualquer custo costuma trazer efeitos colaterais na identidade e na essência do criador.

Vale pagar esse preço para apostar todas as suas fichas em um viral?

O próprio Passenger dá a resposta em outra música.


“A única coisa que eu sei, a única coisa que me dizem é que tenho que me vender se quiser vender minha música. Não quero que o diabo leve minha alma. Escrevo músicas que vêm do coração e não dou a mínima se elas vão entrar nas paradas ou não. A única forma de ser verdadeiro é dizer o que eu vejo e não ter nenhuma sombra pairando sobre mim.

(…)

Não quero parar, não serei persuadido a escrever palavras nas quais não acredito para ver meu rosto em uma tela de vídeo.”

— “27”, Passenger


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Éramos órfãos antes de sermos filhos dessas músicas https://dimitrivieira.com/filhos-dessas-musicas/ https://dimitrivieira.com/filhos-dessas-musicas/#respond Fri, 27 Jan 2023 18:18:07 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=8878 Nos tempos de faculdade, eu tinha uma espécie de ritual para os dias que precisava dormir duas horas ou menos para estudar para alguma prova.

Não era sempre que precisava disso. Somente nos casos que os professores exigiam que memorizássemos mais do que caberia em nossas cabeças, que também não eram tão raros assim.

Virando a noite, eu chegava com o conteúdo fresco o suficiente para repeti-lo na prova e, horas depois, começava a esquecer. Depois, o ciclo se repetia no próximo exame.

Dormindo pouco, me mantinha acordado e concentrado à base de bastante cafeína e música. Até hoje, tenho um certo trauma de café coado por conta disso.

Se o cheiro de café me embrulha o estômago me lembrando das noites mal dormidas, várias músicas trazem uma sensação nostálgica maravilhosa.

Enquanto saía de casa, sempre apertava o play no mesmo álbum — Sink or Swim, do Gaslight Anthem — por um motivo simples: escutar algo agitado o suficiente para me manter acordado.

Até hoje, quase seis anos após receber meu diploma, a primeira música do disco, Boomboxes and Dictionaries, continua tocando na minha cabeça sempre que tenho a sensação que sou a primeira pessoa do prédio a despertar.

Toda vez que toco o pé na rua perto das 6h da manhã, os mesmos acordes voltam.

E se eu tinha certeza que a escolha era apenas pela melodia, hoje não mais. Olha só as primeiras frases do refrão:

And if you’re scared of the future tonight, we’ll just take it each hour one at a time.
Se você estiver com medo do futuro hoje à noite, vamos apenas uma hora por vez.

Anos depois, o mesmo efeito com diversas músicas diferentes.

Os alunos mais observadores do curso de LinkedIn para Marcas Pessoais, talvez, tenham notado um fone de ouvido sem fio aparecendo nas últimas aulas do curso.

Exausto com o final das gravações às 2h da manhã, a cada pausa, tirava energia da trilha sonora — bem marcada por Phenomenal, do Eminem.

Quando saio para caminhar numa avenida em Belo Horizonte, também não demora para The Modern Leper, do Frightened Rabbitsurgir na minha cabeça.

E não para por aí.

Porque eu acredito que podemos encontrar uma música para cada vitória, cada derrota e cada momento em nossas vidas.

E adivinha só? Também tem uma música que diz exatamente isso.

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Um filme, um livro e um podcast para começar o ano de 2023 inspirado https://dimitrivieira.com/comecar-2023-inspirado/ https://dimitrivieira.com/comecar-2023-inspirado/#respond Wed, 18 Jan 2023 00:36:06 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=8729 O filme é bem incomum e foi criado pelos mesmos responsáveis de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.

O livro é um clássico que me escapou por algum tempo e, depois de algum tempo sem ler ficção, me fez voltar a ler uma obra em tempo recorde e entrou pros meus favoritos.

Enquanto o podcast foi um dos meus mais escutados de 2022. Descobri por volta de setembro e, em novembro, já havia escutado todos os mais de 40 episódios disponíveis.

Se você me acompanha por aqui há mais tempo, talvez se lembre que fiz algo parecido no início de 2021 e também no começo de 2022.

Talvez seja a continuação de uma tradição, talvez seja falta de inspiração, talvez as tradições comecem por falta de inspiração.

Depois de conferir, me diz o que achou das indicações? E claro, se tiver uma recomendação, é só dizer nos comentários.

Um filme: Swiss Army Man

Há aproximadamente 10 anos, mantenho um top 5 de filmes de cabeça e não são necessariamente os melhores filmes tecnicamente que já vi, mas o que mais me impactaram e mais gostei no momento que os vi.

Depois de ver Swiss Army Man, os cinco filmes foram atualizados (sem uma ordem de preferência):

  1. Mr. Nobody
  2. Peixe Grande
  3. Clube da Luta
  4. Na Natureza Selvagem
  5. Medo e Delírio em Las Vegas Swiss Army Man

Com Paul Dano e Daniel Radcliffe como protagonistas, ele foi escrito e dirigido pelos Daniels, e ganhou um nome bem pior no Brasil: Um Cadáver para Sobreviver.

É um clássico caso de ame ou odeie e isso fica bem claro pelo processo criativo por trás do filme.

Os Daniels listaram várias coisas que não gostavam, como humor escatológico, musicais — especialmente, musicais à capella — e decidiram criar um filme que usasse tudo isso e tivesse seu selo de qualidade.

Para entregar o mínimo possível por aqui e preservar sua experiência, uma bela forma de resumir Swiss Army Man é: o primeiro peido vai te fazer rir, enquanto o último vai te fazer chorar.

Um livro: O Velho e o Mar, de Hemingway

“Eu sei que isso é o melhor que posso escrever na minha vida toda”.

Foi com esse bilhete que Ernest Hemingway entregou a versão original de “O velho e o mar” para seu editor, em 1952.

Um ano depois, a obra lhe rendeu o prêmio Pulitzer e, em 1954, foi fator decisivo para a premiação de Hemingway com o Nobel de Literatura.

Um clássico que, de alguma forma, me escapou por bastante tempo. Logo depois de ler, se tornou minha nova obsessão literária e entraria sem dificuldades para a lista dos meus cinco livros preferidos de ficção.

“O velho e o mar” é um livro que espanta pela simplicidade, além da narrativa direta bem característica de Hemingway. Ao final, você até pode se perguntar se era só isso.

Até você parar para digerir os acontecimentos.

Sobre ele, cheguei a escrever um artigo em junho de 2022. Para ler, é só clicar aqui.

Um podcast: Divã de CNPJ, com Facundo Guerra

Não sei você, mas eu simplesmente não consigo me identificar com o discurso clássico de empreendedorismo que idolatra nomes como o Elon Musk.

Sempre tive preguiça e, graças ao Facundo Guerra, entendi o motivo dessa preguiça e ainda descobri uma perspectiva do empreendedorismo que me identifico — e muito.

A grande maioria das pessoas que ele convida para seu podcast, Divã de CNPJ, são mulheres e as conversas são bem profundas.

As conversas variam entre os mais diversos nichos possíveis e falam sobre os negócios, as trajetórias e a vida pessoal de quem passa por lá.

É um dos poucos podcasts que escutei literalmente todos os episódios, com exceção do que saiu hoje e que ainda vou ouvir na academia logo menos.

Pra começar a conhecer o Divã de CNPJ, vale escolher algum desses 3 episódios que listei a seguir, mas também recomendo dar uma olhada na lista de todos os episódios. Tem grandes chances de alguém que você admira já ter passado por lá.

Bônus: uma curiosidade que eu não poderia guardar pra mim

Quão longe você já foi para tentar provar que seu ponto de vista estava certo? Melhor, qual pessoa você conhece que foi mais longe para se provar certa?

E quantas vezes você já ouviu alguém comentando que o Jack também poderia ter se salvado em Titanic? Havia ou não havia espaço para ele na porta onde Rose subiu para se salvar?

Agora, imagina só quantas vezes James Cameron, diretor e roteirista do filme, escutou isso. Consigo imaginar perfeitamente: um fã se encontra com ele, elogia todo o seu trabalho e fecha com “mas você não precisava matar o Jack, hein?”.

Por isso, o diretor conduziu um experimento científico, com um especialista em hipotermia, para provar de uma vez por todas que somente uma pessoa poderia ter sobrevivido.

Talvez seja por isso, talvez seja por marketing.

Porque esse experimento vai render um pequeno especial, que deve sair em fevereiro e vai coincidir com o período em que uma versão de Titanic restaurada em 4K vai chegar aos cinemas.

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A genialidade caótica de um clássico instantâneo: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo https://dimitrivieira.com/tudo-em-todo-lugar-ao-mesmo-tempo/ https://dimitrivieira.com/tudo-em-todo-lugar-ao-mesmo-tempo/#respond Mon, 22 Aug 2022 14:05:20 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=7250 ⚠ Antes de qualquer coisa, um aviso: não leia este texto se você ainda não viu o filme.

Sua experiência e sua sensação ao ver “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” valem muito mais que qualquer análise que você possa encontrar na internet, incluindo a minha.

Por isso, nem me darei ao trabalho de escrever uma sinopse para apresentar a trama a quem ainda não viu, como costumo fazer.

Não é todo dia que surge um filme com os requintes de um clássico instantâneo.

Nos últimos anos, colocaria apenas três dos que assisti nessa classificação: Coringa, Parasita e, agora, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.

E a produção mais recente, dirigida por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, começa fazendo algo que Parasita também soube fazer muito bem: a transição entre diversos gêneros.

Do intimista ao complexo e ao besteirol

As primeiras cenas nos apresentam a família Wang em sua casa, logo acima da lavanderia que os sustenta e temos vários traços de um drama intimista.

Dificuldades financeiras, problemas com a receita federal (IRS), além de relacionamentos conturbados entre os Wang.

Enquanto o marido, Waymond, se prepara para pedir o divórcio a Evelyn, ela não consegue admitir a orientação sexual da filha para apresentar sua namorada ao pai, Gong Gong.

E ainda existe uma tensão muito grande com a chegada de Gong Gong, anunciando problemas mal resolvidos entre ele e sua filha.

Logo depois da situação em que Evelyn apresenta a namorada de sua filha, Joy, ao pai como se fossem amigas, um diálogo que parecia ser um pedido de desculpas da mãe é um prenúncio do estilo de humor que veremos.

Em vez disso, ela diz apenas “Você precisa comer melhor. Você está engordando!”.

Depois disso, o filme passa a mesclar diálogos profundos e situações complexas, com situações bizarras e trechos dignos de uma comédia besteirol.

E faz isso de forma genial, como se estivesse nos anestesiando ou amenizando algumas pancadas de diálogos como o momento em que Waymond diz:

“Você tem tantos objetivos não realizados e sonhos que você jamais seguiu. Você está vivendo a pior você.”

Sonhos abandonados e vidas não vividas

O que parece ser simplesmente um multiverso é uma forma surreal de tratar os “e se” da vida de Evelyn, com cada realidade sendo acessada com uma espécie de serendipidade caótica.

Com uma ação inusitada, ela tem acesso a outra realidade e, novamente, as bizarrices têm um papel importante. Dessa vez, para nos desarmar.

Quando somos apresentados a uma realidade em que as pessoas têm dedos de salsicha, ou ao Raccacoonie, não nos preocupamos em procurar sentido naquilo.Simplesmente aceitamos e seguimos com a trama.

Mas o diretor, Daniel Kwan, fez questão de incluir os dedos de salsicha por outro motivo também:


“Esses são os momentos estranhos que tornam a vida tão especial e tornam o peso insuportável da consciência um pouco mais suportável.”

Daniel Kwan, SYFY Wire


Niilismo vs. Existencialismo

Após acessar todas as suas versões do multiverso, a vilã Jobu Tupaki (Chewbacca?) se torna a personificação do Niilismo na trama, e passa a desacreditar e rejeitar qualquer significado.

Baseando-se na ideia de que, com acesso a infinitas possibilidades e realidades, nenhuma delas importa — criando um vazio existencial por excesso de informação.

Esse vazio é perfeitamente representado na figura do Everything Bagel.

E o melhor é a explicação de como surgiu a ideia dessa rosquinha:


“Existe um cálculo científico que você pode fazer para qualquer objeto no universo chamado Raio de Schwarzschild, que transforma o objeto  em um buraco negro quando você o comprime nesse raio (…) a ideia é que, em uma certa densidade, qualquer coisa pode se tornar um buraco negro. Não seria engraçado se ela fizesse isso com um bagel?”

Daniel Kwan, Vulture


Na primeira metade do filme, temos a impressão que essa rosquinha foi construída para destruir o mundo e, na segunda metade, entendemos que era para Joy se autodestruir.

Mais uma forma de trabalhar com bizarrices para suavizar temas bem mais profundos, quando o vazio existencial por excesso de informação faz da vilã depressiva a ponto de construir algo para se matar.

Em contrapartida, o filme também trabalha o Existencialismo na ingenuidade de Waymond.

Se Joy personifica o Niilismo após acessar todo o multiverso, é como se o desconhecimento de Waymond permitisse que ele encontrasse significado em pequenos momentos e pequenas coisas.

E se o Everything Bagel era a representação perfeita na anulação de qualquer significado, são os Googly Eyes que representam o Existencialismo de Waymond.

Aqui, a dualidade entre Niilismo e Existencialismo se torna mais visual do que nunca, com a rosquinha e o olho funcionando quase como um Yin-Yang.

Tanto que a Evelyn somente consegue salvar Joy após fixar um Googly Eye em sua testa, ao reconhecer a importância da ingenuidade de seu marido e abraçando o Existencialismo.

Além de também fazer alusão ao terceiro olho, que, na tradição hindu, representa o centro da energia sutil da consciência e da espiritualidade, e reforça o objetivo de transmitir paz de espírito para aqueles que aderem à prática.

Muito além do multiverso

Pelo momento em que foi lançado, a comparação mais comum é com o universo da Marvel e, especialmente, com Dr. Estranho no Multiverso da Loucura.

Mas, como os próprios diretores reconhecem, foi a série Rick and Morty que trabalhou os conceitos do multiverso de forma mais parecida com o filme:


“Assistir à segunda temporada de Rick and Morty foi doloroso. Eu fiquei tipo ‘eles já fizeram todas as ideias que achávamos originais!’ Foi uma experiência realmente frustrante. Então parei de assistir Rick e Morty enquanto escrevíamos este projeto.”

Daniel Kwan, Vulture


Mas se engana quem pensa que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é só um filme de multiverso.

Além das incontáveis referências, sutis ou escancaradas, desde Ratatouille até Super Smash Bross, o multiverso aqui é uma bela metalinguagem para o momento em que vivemos.

Basta dar uma olhada nessa imagem sem o contexto do filme.

Ou lembrar do excesso de informação criando o vazio existencial

O Niilismo de Multiverso, que conhecemos com a Joy, é o Niilismo Moderno que vivemos.


“Nas últimas décadas, estivemos nesse lugar realmente perigoso como uma sociedade onde estamos mergulhados no pós-modernismo, mas não há nada de cura no pós-modernismo. É um lugar tão desconstrutivo e desestabilizador para existir.”

Daniel Kwan, SYFY Wire


Mas, claro, os Daniels precisavam encontrar algo para balancear tanto caos e tanto ruído, e foi justamente nesse contraponto que eles trouxeram uma cena que já nasceu icônica.

Sobre a suposta ingenuidade de Waymond:

“Quando escolho ver o lado bom das coisas, não estou sendo ingênuo. É estratégico e necessário. É como aprendi a sobreviver a qualquer coisa.”

E como Daniel Scheinert disse, um dos grandes desafios ao escrever o filme foi encontrar uma forma de levar a audiência até o fundo do poço e, após chegar lá, como fariam para tirar o público de lá. Por consequência, como tirar eles próprios de lá.


“Que desafio terapêutico criamos para nós mesmos!”

Daniel Scheinert, SYFY Wire

Um belíssimo exercício terapêutico, a atuação da vida de Michelle Yeoh e, na minha opinião, o filme do ano até agora em 2022.

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Principais referências de Batman: entenda a origem do sucesso do filme de Matt Reeves https://dimitrivieira.com/referencias-batman-matt-reeves/ https://dimitrivieira.com/referencias-batman-matt-reeves/#respond Wed, 09 Mar 2022 13:02:36 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=6808 [Atenção! Este texto contém spoilers!]

A nova versão do Batman, que chegou aos cinemas em 2022, superou todas as expectativas que eu tinha para o filme.

E um dos principais pontos positivos foram as referências usadas por Matt Reeves na construção do novo universo do Homem Morcego.

Por isso, em vez de apenas escrever um artigo analisando e desconstruindo a história, decidi primeiro falar apenas sobre as fontes de inspiração do longa-metragem.

Se você me acompanha há mais tempo, talvez se lembre que fiz a mesma coisa com Coringa, em 2019, analisando primeiro as referências e, depois, a construção narrativa do filme.

Repetindo a dose com o Batman, você vai notar que algumas referências são bem explícitas e outras, mais interpretativas.

O catálogo completo de filmes do Batman

Contando filmes focados em sua história e algumas participações, como em Esquadrão Suicida, existem 12 filmes sobre o herói.

Então, não se trata de uma história desconhecida e alguns eventos estão bem desgastados por excesso de repetição.

Por exemplo, quantas vezes você já assistiu à morte dos pais de Bruce Wayne em um filme ou série?

Nessa versão, é notável que houve uma preocupação de recontar o que era conhecido de forma inédita.

Em vez de focar no Bruce Wayne como protagonista e nos apresentar o assassinato como a origem do Batman, a versão de Matt Reeves começa direcionando a atenção para o Homem Morcego — dois anos após ter começado a combater o crime de Gotham.

Mesmo que o incidente seja mencionado no filme, é de forma menos óbvia.

Pela atmosfera sombria do filme e versões mais realistas dos personagens, também é possível acreditar em algumas inspirações na trilogia de Christopher Nolan. 

Nirvana e Kurt Cobain

Se você assistiu ao trailer do filme e conhece Nirvana, provavelmente a trilha sonora te chamou a atenção desde os primeiros segundos.

Something in the way e a voz de Kurt Cobain ditam o tom do trailer — até as composições originais compostas por Michael Giacchino assumirem.

Diferente de Esquadrão Suicida, que entrega uma série de músicas famosas para gerar a sensação de algo épico sendo construído, aqui, a música cumpre um papel na narrativa.

“No início, quando estava escrevendo, comecei a ouvir Nirvana, e havia algo sobre (a música) Something in the Way — que está no primeiro trailer —, que faz parte da voz desse personagem (…) ele é uma espécie de viciado em drogas. Sua droga é seu vício por esse desejo de vingança. Ele é como uma versão Kurt Cobain do Batman”.

Matt Reeves

Vale lembrar que Coringa fez algo bem parecido, ao trabalhar com músicas, principalmente com That’s Life, do Frank Sinatra.

E por ser uma música que fala muito sobre isolamento, Something in the way ajudou a construir uma ambientação perfeita para o Bruce Wayne e para outros personagens — também movidos por vingança.

Noir e Neo-Noir

Bem comuns nas décadas de 40 e 50, os filmes Noir tinham raízes na 2ª Guerra Mundial e refletiam desilusão da época, com uma visão de mundo pessimista. São ambientados em cidades sujas, opressoras e recheadas de problemas sociais.

Os personagens são corruptíveis e isso também se reflete no protagonista, que costuma ser violento, individualista e com uma conduta moral questionável.

Apesar de muitos filmes noir terem um detetive como protagonista, não é uma obrigação nesse estilo.

Outro traço marcante é a presença da Femme Fatale, uma personagem com objetivos dúbios e que oscila entre aliada, interesse amoroso e antagonista no decorrer da trama.

Vários filmes resgataram esse mesmo estilo mais tarde e podem ser classificados como Neo-Noir, como Chinatown, Taxi Driver, Drive, Sin City e Blade Runner 2049.

O Batman, de Matt Reeves, abraça o Neo-Noir como um sub-gênero e traz vários desses elementos na construção da narrativa.

Inclusive, se você se lembra de Taxi Driver, os monólogos introdutórios do Homem Morcego lembram bastante os do protagonista, Travis Bickle.

Nighthawks, de Edward Hopper

Antes de entrar em detalhes, preciso agradecer à Isabela Boscov e aproveitar a deixa para te apresentar ao trabalho dela, caso você ainda não conheça.

Foi graças à análise dela sobre o Batman que fiquei conhecendo esta referência e, facilmente, é uma das mais fascinantes.

O trabalho do pintor Edward Hopper ficou marcado por representações realistas da solidão contemporânea, como acontece em Nighthawks.

Finalizada em 1942, a pintura capta um sentimento parecido com o que inspirou o nascimento dos filmes Noir e, por serem contemporâneos, esse estilo de filme e o trabalho de Hopper se influenciaram.

De um lado, Hopper traz elementos visuais e figurinos bem presentes nesses longa-metragens.

Do outro, inúmeros filmes utilizaram suas pinturas como referências para construção dos cenários e filmagem.

Se você pesquisar, vai encontrar inúmeros exemplos de quadros de Hopper que influenciaram o cinema. Mas vou aproveitar para citar apenas um aqui: Ridley Scott, com Blade Runner.

“Eu mostrava constantemente uma reprodução desta pintura (Nighthawks) para a equipe de produção para ilustrar o visual e o humor que eu procurava.”

Ridley Scott

Para exemplificar sua influência em Batman, bastaria um print do primeiro frame do trailer do filme:

E além dessa cena específica, a filmagem através de vidros em vários momentos, ao lado desta construção sombria em ambientes fechados, quase claustrofóbicos, podem tranquilamente ter bebido na fonte de Hopper.

O assassino do Zodíaco e o trabalho de David Fincher

A inspiração para a construção do Charada como um serial killer veio direto do assassino do Zodíaco, que aterrorizou o norte da Califórnia na década de 60. Tanto visualmente, quanto pela comunicação com a polícia e a imprensa usando enigmas.

Com uma atualização e adequação do personagem ao universo das redes sociais.

O que inclui, por exemplo, uma live com um personagem precisando decifrar uma charada para sobreviver — no estilo Jogos Mortais. E também a criação de uma comunidade de seguidores do vilão.

Além do caminho óbvio de se inspirar no filme Zodíaco, do David Fincher, também é possível notar algumas semelhanças com Seven, do mesmo diretor. Principalmente pelo fato do assassino se entregar após completar os assassinatos que havia planejado.

E fiz questão de deixar esse tópico para o final para trazer um contraponto.

Em Zodíaco, a obsessão de Robert Graysmith, vivido por Jake Gyllenhaal, para desvendar quem era o serial killer e o fato dele não ser descoberto levam a um desfecho em tom pessimista.

Se você viu Seven, acho improvável que tenha se esquecido da cena final, também com um forte tom pessimista.

Além de ser característica de vários filmes Noir e Neo-Noir, são marcas que ficam no nosso imaginário e ajudam a tornar essas obras inesquecíveis.

No caso de Batman, apesar da inspiração no gênero, ainda estamos falando de um filme de super-herói e o final escolhe um caminho diferente — para enaltecer o personagem e desviar desse pessimismo.

E o Matt Reeves soube fazer isso de maneira maravilhosa, mas esse é um papo para quando formos desconstruir a construção narrativa do filme.

Enquanto isso, você notou mais alguma referência no filme?

Aproveita para me contar nos comentários 🙂

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Uma rebelião acústica https://dimitrivieira.com/uma-rebeliao-acustica/ https://dimitrivieira.com/uma-rebeliao-acustica/#respond Thu, 03 Feb 2022 14:44:43 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=6654 Algo mágico acontece quando um músico de um ritmo mais pesado decide pegar um violão e apostar num formato mais intimista.

As letras, que ficavam em segundo plano, atrás dos instrumentos pesados e dos gritos, tornam-se a atração principal e ganham os holofotes.

Cansei de ouvir bandas barulhentas anunciando que quebrariam o sistema de alguma forma, mas foi Johnny Cash, com seu violão, que calou a Casa Branca.

E se você é fã de Rock, Punk Rock, ou mesmo metal, certamente conhece algum artista que passou por essa trajetória.

Alguns exemplos que posso listar de cabeça são Corey Taylor, Brian Fallon, Frank Turner, Chuck Ragan e Dave Hause.

Este último é o principal culpado por me fazer escrever sobre isso hoje.

Seu disco Paddy tem uma música que, pela melodia, mais parece uma canção de ninar trabalhada no dedilhado.

Até você prestar atenção na letra e notar que poderia facilmente ser adaptada para gritos de uma multidão tomando as ruas para se manifestar.

Com direito à repetição extremamente calma de “fuck them all” no refrão — como quem diz “o que eu tenho para dizer importa e isso é o bastante, me recuso a gritar para chamar sua atenção”.

Essa é a mágica.

Especialmente num mundo que parece gritar por atenção e reconhecimento em cada canto que olhamos.

É trocar esses gritos por suspiros, importar-se mais com o que tem a dizer e menos com quem vai ouvir.

Uma rebelião acústica.


PS.: por muito tempo, tive vontade de escrever um manifesto que resumisse bem minhas principais crenças no universo da escrita e da produção de conteúdo, mas não queria escrever algo extremamente formal.

E também pensei bastante em opções de nomes para batizar minha newsletter.

Procurei conceitos relacionados à Escrita Criativa ou Storytelling — algo que soasse chique e me deixasse com cara de autoridade, mas sabe quando não fica natural?

Então, certo dia, comecei a escrever um texto para abrir a minha newsletter — ainda sem nome — e, quando terminei de escrever, não precisei procurar mais por um nome, nem me preocupar em escrever um manifesto.

Newsletter: uma rebelião acústica
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Um filme, um livro e uma ferramenta: 3 dicas para começar 2022 inspirado e com suas metas em dia https://dimitrivieira.com/comecar-2022-inspirado/ https://dimitrivieira.com/comecar-2022-inspirado/#respond Wed, 05 Jan 2022 17:17:27 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=6026 No clima de começo de ano, decidi compartilhar com você um filme sobre a pressão de cumprir seus objetivos e sonhos, enquanto ouvimos os tiques de um temporizador marcando um prazo final — muitas vezes, ilusório.

Um livro com belas doses de melancolia que vai te inspirar a refletir e rever algumas situações do dia a dia.

E uma ferramenta muito simples de se usar, mas que pode ajudar demais no cumprimento das suas principais metas para 2022.

Se você me acompanha por aqui há mais tempo, talvez se lembre que fiz algo parecido no início de 2021. Talvez seja o início de uma tradição, talvez seja falta de inspiração, talvez as tradições comecem por falta de inspiração.

Depois de conferir, me diz o que achou das indicações? E claro, se tiver uma recomendação, é só me dizer nos comentários.

Um filme: Tick, Tick… Boom!

Tick, Tick... Boom!

Fazia tempo que não via um filme que me deixasse com vontade de revê-lo na íntegra logo após terminar e foi o que aconteceu com Tick, Tick… Boom. Além de incluir as músicas do filme na minha trilha sonora do dia a dia.

O filme conta a história de Jonathan Larson, um jovem compositor que trabalha como garçom em Nova York e sonha em escrever um grande musical. Prestes a completar 30 anos, sua data de aniversário se torna uma contagem regressiva para realizar tudo isso, tomado pela ansiedade e pela constante reflexão do que vale a pena seguir lutando na vida.

Larson, interpretado brilhantemente por Andrew Garfield, chegou ao estrelato graças a Rent, um musical que passou anos na Broadway.

Mas confesso que não conhecia ainda o autor, nem a peça.

Então, posso dizer por experiência própria que o diretor do filme, Lin-Manuel Miranda, fez um trabalho primoroso ao apresentar o compositor e seu trabalho de forma que não afasta quem o desconhecia. Além disso, ele também traz bastidores e elementos provavelmente inéditos para quem já conhece; e faz jus à vida e legado do protagonista.

O filme fica ainda mais incrível quando entendemos que Larson e Rent foram grandes inspirações para que o próprio diretor, criador de Hamilton, trabalhasse com musicais hoje.

E não sei se é o seu caso, mas se você se incomoda com musicais porque os personagens começam a cantar e dançar de forma irreal, não é exatamente o caso de Tick, Tick… Boom.

Aqui, os acontecimentos do filme inspiram e justificam as performances, porque acompanhamos os bastidores das composições, numa espécie de meta-musical, que não se perde nas autorreferências.

É um filme intencionalmente confuso em alguns momentos, para nos colocar nos bastidores e na mente de um autor consagrado, enquanto ele vive em constante conflito com os desafios de viver do seu sonho.

Se você trabalha com criatividade de alguma forma, ou tem algum sonho similar à criação de um musical, Tick, Tick, Boom será uma experiência fantástica para te inspirar a colocar suas ideias no papel. Isso eu garanto.

Ainda posso dizer que ganhei alguém por quem torcer na temporada de premiações. Pelo menos, uma indicação ao Oscar o Andrew Garfield merece. E ganhei principalmente uma trilha sonora para a contagem regressiva até meus 30, em abril.

Um livro: Cigarro e Anéis no Rabo do Gato e outras histórias

O Maicon Moura é um grande amigo que ganhei graças à internet e também por compartilharmos a paixão pela escrita e uma certa idolatria pelo Chuck Palahniuk, o autor do Clube da Luta.

Meu primeiro contato com as obras literárias do Maicon foi em seu primeiro romance, Não quero patos elétricos — uma ficção científica futurista com belas doses de comédia e um pão de queijo na capa.

Seu segundo livro, Cigarro e Anéis no Rabo do Gato, tira o humor da receita e traz cinco contos recheados de melancolia num futuro imperfeito. “A tecnologia não salvará a todos” é uma frase que aparece logo no começo e marca bem o que está por vir.

É o tipo de livro que te dá uns belos tapas na cara, te coloca para refletir e, ao final, te ajuda a levantar da cadeira inspirado.

Além de ser curto a ponto de permitir que você leia numa sentada. Ou seja, ainda é o livro perfeito para você postar nos stories do Instagram que já finalizou sua primeira (ou mais uma) leitura em 2022.

Para melhorar, o livro ainda está disponível gratuitamente no Kindle Unlimited. Então, se você assina esse plano, é só clicar, começar a ler agora mesmo e, depois, se quiser me contar o que achou, sinta-se em casa.

Uma ferramenta: Bullet Journal – Daily Log

Daily Log

No meu primeiro post do ano no LinkedIn, comentei que defini algumas metas diárias simples, para ajudar a me cuidar melhor e trabalhar melhor em 2022.

E uma ferramenta que me ajuda bastante a registrar tudo isso para acompanhar meu desenvolvimento é o Daily Log, bem comum em Bullet Journals.

Ela funciona como um estímulo visual fantástico para mantermos nossas metas diárias em dia, construirmos novos hábitos e o melhor, mantê-los a longo prazo.

O pessoal que usa essa ferramenta costuma usá-la em um caderno, para ter a sensação de rabiscar os quadradinhos e preencher as metas cumpridas. Na versão digital, não tenho esse prazer, mas tenho uma planilha bem versátil que me ajuda registrar tudo.

É bem simples. Uma das metas diárias é caminhar, então, assim que cumpro essa meta, posso preencher o campo com um “-” para a meta cumprida.

Se não cumpro a meta, preencho com um “x” e os campos vão ficando assim: vermelho quando falho com alguma meta e colorido com uma cor específica quando ela é cumprida.

No longo prazo, os campos coloridos se tornam um incentivo extra para você não quebrar o hábito e os quadrados vermelhos servem como um alerta.

É impressionante, por exemplo, como é fácil notar as repercussões negativas em outras áreas de deixar de fazer atividades diárias de lazer. Como ter mais dificuldades para escrever num período com menos caminhadas.

Como já criei um template para mim, decidi disponibilizá-lo por aqui também, porque sei que talvez possa te ajudar.

Nem precisa cadastrar email ou coisa parecida. É só clicar aqui e ir direto para a planilha, que tem uma página com as instruções para usá-la.

Nela, você também vai poder conferir as atividades diárias que defini como metas de exemplo. Se você quiser mantê-las, fique à vontade.

Se preferir trocá-las, também.

Você vai notar que o funcionamento é bem simples, mas o desafio mesmo é manter tudo funcionando diariamente no longo prazo, mas também é assim que as metas maiores se cumprem.

Agora que compartilhei um filme, um livro e uma ferramenta para ajudar em seu começo de ano, é a sua vez.

Tem alguma recomendação também? Diz aí nos comentários 🙂

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4 lições que você pode “aprender” com (literalmente) qualquer filme ou série bem-sucedidos https://dimitrivieira.com/licoes-que-aprendemos-com-qualquer-filme/ https://dimitrivieira.com/licoes-que-aprendemos-com-qualquer-filme/#respond Wed, 21 Jul 2021 13:59:14 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=4817 Basta surgir um novo fenômeno da Cultura Pop e a internet se torna um festival de aprendizados.

Tudo pode se tornar uma analogia ou mesmo uma lição de vida, de carreira e de empreendedorismo. É só escolher seu nicho.

Agora, uma lição que geralmente não entra para essas listas é que você pode aprender a maior parte desses aprendizados com qualquer filme ou série bem-sucedidos.

Talvez, até mesmo com algumas obras que não tiveram tanto sucesso.

Mas, se não tem sucesso e não tem hype para pegar carona, qual o sentido, não é mesmo?

Por isso, minha ideia com este texto é facilitar a vida dos produtores de conteúdo com 4 lições que podemos aprender com ___________ (insira o nome da série ou filme).

Eu vou preencher com Vingadores: Ultimato de exemplo, porque, com uma das maiores bilheterias de todos os tempos, tem boas chances que você tenha assistido ao filme e não preciso poupar spoilers.

Combinado?

1. A importância do planejamento estratégico

Um grande segredo aqui é que você pode considerar o planejamento para a realização da própria obra, ou de algo que acontece nela.

Se algo aconteceu e teve um final, geralmente conseguimos reduzir em três casos extremos:

  • foi muito bem-planejado e deu certo;
  • não foi tão bem-planejado e algumas coisas saíram do controle;
  • não teve planejamento e foi um fracasso (até certo ponto).

Se cobrir mais de um desses pontos, melhor ainda.

O Dr. Estranho, por exemplo, me ensinou a importância de analisarmos todos os possíveis cenários antes de agir.

2. Esteja preparado para as coisas darem errado

Esse tópico até poderia entrar no primeiro. Mas os melhores filmes e séries costumam ter aquele momento em que tudo parece caminhar para dar errado.

E aqui entra uma belíssima lição: por melhor que seja seu planejamento, as coisas ainda podem dar errado.

Em Vingadores: Ultimato, podemos jogar limpo e trazer uma versão light e sem spoilers dessa lição. Quando o plano de Thanos nos ensina isso bem no começo do filme: apesar de seu plano ter dado certo, os Vingadores encontrariam uma forma de revertê-lo.

Ou podemos pegar pesado.

Afinal, qual foi o personagem que mais se preparou para algo dar errado?

3. Seja resiliente

Esse é o próximo passo natural: se algo deu errado, foi preciso alguma mudança no plano.

E se houve alguma mudança drástica no plano, alguém precisou lidar com uma situação bem adversa e, provavelmente, precisou resistir ou até se sacrificar.

Aqui, você pode até escolher qual estalar de dedos usar de exemplo. Mas vou optar por um momento mais light e que vai render uma bela imagem para o artigo.

Quem foi mesmo que ergueu o Mjolnir (martelo do Thor) e lutou sozinho com o Thanos por alguns minutos?

4. Coloque um propósito na história

Essa costuma ser a cereja do bolo e é só escolher uma forma que o propósito de um personagem impactou a trama.

Temos vários caminhos por aqui:

  • um personagem com princípios inabaláveis costuma ter uma missão muito forte;
  • um personagem que se sacrifica, também;
  • e um personagem tão obstinado, a ponto de abrir mão do que ama para conquistar seus objetivos, também.

Então, para não repetir personagens e evitarmos entrar para o coro do discurso de “você precisa encontrar o seu propósito”, podemos falar do Thanos.

Porque aprendi com ele que ter um propósito muito bem definido não é garantia de sucesso. Nem mesmo quando você direciona todos os seus esforços nessa missão, a ponto de sacrificar até sua própria filha.

Para fechar, pontos extras se você conseguir incluir outros termos em alta no momento.

Bônus: a comunicação assertiva de Groot

Parece piada, mas pior que não é.

Apesar de muitas pessoas usarem “assertivo” como sinônimo de “estar certo”, assertividade é sobre ser enfático e firme no que você diz — independente de estar certo ou errado.

E quando o Groot fala, não faço a menor ideia do que ele quer dizer.

Mas, com a voz e a entonação do Vin Diesel, fica difícil não acreditar nele.

Pronto! Prometi 4 e entreguei 5 lições que aprendi exclusivamente com o filme dos Vingadores.

Agora, é só você escolher sua referência da cultura pop preferida, ou a que está em alta no momento, e preencher as lacunas.

Ou se preferir, pode me ajudar com mais tópicos que podemos aprender com (literalmente) qualquer filme ou série bem-sucedidos.

Qual lição você acrescentaria para a lista?

Disclaimer

Este artigo contém fortes doses de ironia e não deve ser levado tão a sério.

Se algum filme reforçou seu aprendizado sobre algo e você acredita que seja relevante, não deixe de escrever. A cena pós-crédito de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, por exemplo, me ensinou sobre a importância da paciência.

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Johnny Cash, a luta para superar a maior tragédia em sua vida e um garoto chamado Sue https://dimitrivieira.com/johnny-cash-garoto-chamado-sue/ https://dimitrivieira.com/johnny-cash-garoto-chamado-sue/#respond Thu, 14 May 2020 13:43:27 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=909 O primeiro contato que tive com Johnny Cash, suas músicas e sua história foi graças ao filme Johnny & June, lançado em 2005 quando eu tinha apenas 13 anos.

Foi o bastante para iniciar um relacionamento sazonal que tenho com suas músicas desde então. De tempos em tempos, me vejo investigando sua discografia novamente e toda vez encontro algo inédito.

Uma música que ainda não conhecia, ou uma letra que ainda não havia me chamado tanto a atenção.

Entre todos os cantores e compositores que conheço, Johnny Cash é de longe um dos melhores em letras de música — ao lado do Bob Dylan. A profundidade e o detalhamento que eles entregam são impressionantes.

Os dois conseguem tratar assuntos triviais de maneira profunda.

E também contam histórias completas, com direito até mesmo a reviravoltas, com a mesma facilidade como se estivessem falando de assuntos triviais.

Basta tirar um tempo para analisar as letras de músicas como Folsom Prison Blues ou Hurricane para ter um exemplo disso. É de dar inveja em qualquer escritor.

Diferente de Bob Dylan, Cash também tinha uma performance e uma entrega invejáveis em todas as músicas que escolhia tocar.

Pelo lado de Dylan, é bem comum descobrirmos que uma música apresentada por outro artista, na verdade, era dele. Com Cash, acontece o contrário: qualquer música que ele escolhe tocar, você tem certeza que foi ele quem escreveu.

Dois excelentes exemplos disso são Ring of Fire e Hurt — escritas por June Carter e Trent Reznor. Ou ainda A Boy Named Sue, que será o nosso foco aqui.

Um garoto chamado Sue

Escrita por Shel Silverstein, a música narra a história de um garoto que cresceu apenas com sua mãe, após seu pai abandoná-los quando tinha apenas 3 anos.

As únicas coisas deixadas por seu pai foram um violão velho, uma garrafa de bebida vazia e seu nome: Sue — um possível apelido para Susan ou Susanna e, definitivamente, um nome feminino.

Então, o garoto cresceu sofrendo com o bullying e as piadas de mau gosto, vendo-se forçado a amadurecer mais rápido para superar tudo isso e focado em se vingar de seu pai:

“Meu punho ficou forte e minha inteligência ficou aguçada. Eu vagava de cidade em cidade para esconder minha vergonha, mas fiz um voto para a lua e as estrelas: que eu procuraria em todos os bares até encontrá-lo e mataria aquele homem que me deu esse nome horrível.”

Esse encontro acontece após Sue encontrar seu pai em um bar e reconhecê-lo de uma foto antiga que sua mãe tinha, graças à cicatriz em sua bochecha. E os dois começam uma briga no melhor estilo dos filmes de faroeste norte-americanos.

Com a diferença que não termina num duelo entre os dois, mas com Sue apontando uma arma para seu pai, que faz a seguinte revelação:

“Filho, este mundo é difícil e para um homem triunfar, ele precisa estar preparado. Eu sabia que não estaria lá para ajudá-lo, então te dei esse nome e me despedi. Sabia que você teria que amadurecer, ou morrer. E foi o nome que ajudou a torná-lo forte.

Agora, você acabou de travar uma luta e tanto. Sei que você me odeia e tem o direito de me matar. Eu não te culparia se você o fizesse, mas antes você deveria me agradecer por toda a sua força e resistência, porque eu sou o filho da puta que te deu o nome de Sue.”

No último ato, Sue sente-se realizado por confrontar seu pai, o perdoa e desiste de matá-lo, finalizando a música com uma reflexão sobre como ele batizaria seu filho:

“E se algum dia, eu tiver um filho, acho que vou batizá-lo…

De Biil ou George! Qualquer coisa que não seja Sue! Ainda odeio esse nome!”

Tudo isso em pouco mais de 3 minutos de música.

Agora, vale prestar atenção na forma como Johnny Cash apresenta esses últimos versos: é só adiantar o vídeo para 3:23, ou clicar aqui se preferir.

Ele esbraveja tanto, mas tanto, que parece engasgar ao final do vídeo. Eu disse que a entrega dele era impressionante, mas será mesmo que tudo isso é apenas performance?

Um garoto chamado Johnny

Se você também assistiu ao filme Johnny & June, provavelmente se lembra que Johnny Cash tinha uma relação bastante complicada com seu pai, Ray Cash.

Para não prolongar muito a ponto de transformar o artigo em um texto biográfico, vamos dizer que seu pai era um veterano da Primeira Guerra Mundial, absurdamente conservador e trabalhador — um retrato típico do sulista norte-americano de 1920.

Além de jamais ter incentivado a carreira na música de Johnny Cash, Ray claramente tinha um filho preferido: Jack Cash, que tinha tudo para se tornar um pastor e o filho bem-sucedido da família — pelas definições de seu pai, é claro.

Porém, Jack não viveu o bastante para realizar os desejos de seu pai. Vítima de um acidente com uma serra de madeira, ele faleceu em 1944, quando Johnny tinha apenas 12 anos.

Ray chegou a se entregar ao alcoolismo e se tornou tão amargurado que passou a ressentir seu filho sobrevivente. “Você não é o filho certo. Você deveria ter morrido” foram algumas palavras que marcaram a infância de Johnny.

Ele cresceu sentindo-se desmerecedor de ser ele mesmo e sabia que, por mais que se esforçasse, jamais corresponderia ao que seu pai gostaria que ele fosse.

Seu nome de batismo era comum, John, mas as marcas que seu pai deixou em sua infância o fizeram aprender o que era sofrimento, o que era se sentir perdido e deslocado. Ele se tornou o filho que devia ter morrido.

A beleza de Johnny Cash é sua capacidade de levar isso para as músicas, provando seu valor não apenas para seu pai, mas para uma sociedade incapaz de aceitar pessoas oprimidas.

Ele sempre cantou para aqueles que precisavam acreditar em algo para se reerguer e, por fim, construiu uma linda carreira como cantor por causa de Ray Cash, ou apesar dele.

Da mesma forma que, em seu primeiro casamento, Johnny se tornou um pai ausente e viciado. De tanto evitar se parecer com Ray, nos anos 60 ele caminhava para se tornar um péssimo pai para seus filhos — em seus próprios moldes.

A relação entre os dois nunca deixou de ser complicada. Em sua primeira autobiografia, Man in Black, lançada em 1975, Cash chega a perdoar seu pai. Mas na segunda, Cash: The Autobiography, de 1997, vemos que ele continuava ressentido.

Então, pode-se dizer que ele passou a entender melhor a perspectiva de Ray, mas não a ponto de perdoá-lo inteiramente. 

De volta à música A Boy Named Sue, não era sempre que Johnny Cash encerrava sua apresentação esbravejando da forma que vimos.

Era comum ele brincar com a letra e trocar o desfecho da história.

(3:11 ou clique aqui.)

“E se algum dia, eu tiver um filho, acho que vou batizá-lo…

em sua homenagem.

Com uma pequena dose de suspense (ou hesitação), uma única frase trocada dá um novo sentido para o desfecho da música. Dessa vez, o protagonista vai muito além de compreender seu pai e respeita sua decisão a ponto de homenageá-lo.

Na psicanálise, atos falhos (ou letras trocadas) são atribuídas ao subconsciente e recebem o nome de parapraxia. Ou seja, situações como essa, especialmente numa música tocada com tanta frequência, dizem muito mais do que parecem dizer.

Toda vez que escutamos Johnny Cash tocando A Boy Named Sue, estamos diante de muito mais do que uma mera apresentação.

O que testemunhamos é um homem que teve sua infância marcada de forma trágica cantando sobre um garoto confrontando seu próprio pai.

Ao incorporar Sue, Cash relembra o acidente que matou Jack e levou Ray a transformá-lo no filho que devia ter morrido. No confronto final, ele precisa decidir até que ponto ele compreende seu próprio pai e se é capaz de perdoá-lo.

Em cada performance da música, vemos isso acontecendo.

Na maioria das vezes, ele termina esbravejando.

Algumas vezes, ele chega a homenagear Ray.

E, na minha versão favorita, ele encontra não apenas o desfecho ideal, mas também se re-encontra.

“E se algum dia, eu tiver um filho, acho que vou batizá-lo…

John Carter Cash.

(3:19 ou clique aqui.)

Basta ouvir para notar a diferença no tom de voz. Sem esbravejar ou hesitar para fazer suspense, ele declama o último verso em absoluta paz.

Era 17 de Abril de 1970, Cash se apresentava na Casa Branca com seu pai na plateia (um ano antes de se casar com June Carter) e, nesta data, o filho recém nascido do casal, John Carter Cash, tinha pouco mais de um mês de vida.

Longe das drogas e mais dedicado do que nunca à sua família e sua fé, nascia um novo Johnny Cash.

Em um único verso, podemos acompanhar essa transformação acontecendo.

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Antes de Chuck Berry, Elvis e Beatles, tivemos Sister Rosetta Tharpe: conheça a Mãe do Rock’n Roll https://dimitrivieira.com/sister-rosetta-tharpe/ https://dimitrivieira.com/sister-rosetta-tharpe/#comments Fri, 13 Sep 2019 15:39:55 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=469 Antes de escrever este texto, a primeira vez que ouvi falar em Sister Rosetta Tharpe foi há pouco mais de dois meses, quando ouvi sua história no podcast Tales from No Man’s Land, do Frank Turner.

Não demorei muito para ficar obcecado pela sua história, seus inúmeros feitos e, principalmente, pelo fato de ter demorado tanto tempo para conhecê-la — apesar de ser apaixonado pelo Rock’n Roll.

Na maioria dos materiais que falam sobre a origem desse estilo musical, Sister Rosetta é referenciada como sua Madrinha. Porém, como você logo vai ver, ela não esteve presente apenas no “batismo do Rock”, mas desde seus primórdios — ou parto, se preferir.

Por exemplo, sabe quando foi a primeira vez que o termo “Rock’n Roll” apareceu na renomada revista americana Billboard? Foi em maio de 1942, para descrever uma performance dela.

Revista Billboard, edição de 30 de Maio de 1942 — página 25

Quando falamos em artistas de Rock que marcaram a história, alguns nomes costumam aparecer bem rápido na conversa, como Beatles e Rolling Stones.

Numa roda de conversa sobre sua origem, é comum falarmos em Chuck Berry como o Pai do Rock. Talvez até em Elvis Presley, o Rei.

Só que, antes, o Rock’n Roll teve uma Mãe.


“Se você tentar dar outro nome ao Rock’n Roll, você pode chamá-lo de ‘Chuck Berry’.”

John Lennon


“Ele (Chuck Berry) iluminou nossa adolescência e deu vida aos nossos sonhos de sermos músicos.”

Mick Jagger


“Uma longa personificação de Sister Rosetta Tharpe”

Foi como Chuck Berry — o Pai do Rock — descreveu certa vez sua própria carreira.


Quando a cantora lançou seu primeiro disco, Rock Me, o garoto Chuck tinha 12 anos e foi parte de uma geração de crianças que cresceram nas décadas de 40 e 50 acostumadas a ver Sister Rosetta como uma grande estrela da música.

Nessa geração, também estava o pequeno Elvis, ainda com 3 anos, que dificilmente se lembra de ouvir o disco no ano do lançamento, mas não deixou de ser influenciado por ela:


“Elvis adorava Sister Rosetta. Principalmente seu estilo de tocar guitarra, que era muito diferente.”

Gordon Stoker, do Jordanaires, que trabalhou tanto com Sister Rosetta Tharpe, quanto com Elvis Presley.


O início de tudo

Não dá para falar sobre Rock’n Roll sem citar o Blues — que, por sua vez, começou a se desenvolver especialmente do canto dos escravos das lavouras de algodão.

Foi também nessas lavouras, em 1915, que Rosetta Nubin nasceu, na cidade de Cotton Plant, Arkansas, às beiras do rio Mississíppi. Seus pais, Katie Bell e Willis Atkins, eram colhedores de algodão.

Não se sabe muito sobre seu pai, que pouco participou de sua vida, além do fato de que ele sabia cantar.

Enquanto sua mãe — evangelista e incrivelmente apaixonada pela Igreja — foi a pessoa mais presente ao seu lado, até falecer em 1968.

Quando sua filha tinha apenas seis anos, Katie Bell abandonou o pai de Rosetta e elas se tornaram evangelistas viajantes da Igreja de Deus em Cristo.

Desde então, a música, a religião e a rotina de viajar fazendo shows estiveram presentes na vida de Rosetta. Há relatos de que, quando ela tinha 10 anos, já era uma showoman completa, tocando violão, piano e dominando alguns passos de dança.

Seu sobrenome Tharpe surgiu após se casar, em 1934, com o Reverendo Tommy Thorpe — com uma leve pitada de erro de grafia)—, quando ela tinha apenas 19 anos.

Ambos trabalhavam para a mesma igreja: ela fazia os shows, atraía multidões e ele pregava do púlpito.

O casamento não durou muito tempo, pois, além de ter sido arranjado pela mãe de Rosetta, seu marido se aproveitava de seus dons para ganhar dinheiro e se sustentar.

“Sister Rosetta não era nada comum”

Após 4 anos casados, em 1938, ela deixou o Reverendo e foi para a cidade de Nova York. Dessa vez, foi Rosetta quem levou junto sua mãe.

Seu reconhecimento na música não demorou: no mesmo ano, lançou o disco “Rock Me” e recebeu a oportunidade de se apresentar no prestigiado Cotton Club — uma casa noturna para clientes brancos e performers negros.

Por força de um contrato de sete anos que assinou, Rosetta se viu obrigada a cantar qualquer música que sua gravadora, Decca Records, escolhesse.

Por isso, temos registros dela cantando algumas músicas que não fazem qualquer menção a Deus, mas apenas sobre “agradar seu homem” — como Tall Skinny Papa, em que ela repete constantemente:


Eu quero um papai alto e magro. É tudo o que eu preciso.


Claro que um papai alto e magro estava longe de ser tudo o que Rosetta queria ou precisava, mas foi um mal necessário para ela trilhar seu caminho para o sucesso e se ambientar ao universo do Show Business.

Com 25 anos, ela estava entre os melhores músicos populares da época e havia se acostumado a tocar com nomes como Lucky Millinder, Cab Calloway, Duke Ellington e outros.

Após cumprir o contrato, Rosetta havia se estabelecido numa indústria dominada por homens, era rica, famosa, amada por uma legião de fãs e, finalmente, poderia cantar o que bem entendesse.

O que mais a primeira super star gospel da história poderia fazer?

Desafiando a segregação racial, com Marie Knight

Nos anos 40, ela passou boa parte do tempo na estrada e tocando em casas de show lotadas — sempre acompanhada por diferentes quartetos gospel.

Um desses quartetos foram os Jordanaires, que depois ficariam conhecidos como backing vocals de Elvis Presley. Nessa época, eram carinhosamente chamados por Rosetta como “seus quatro pequenos bebês brancos”.

Numa sociedade altamente segregada, negros e brancos tocando juntos era tabu. Mas desde seus primeiros acordes arranhados nas portas das igrejas, Rosetta sempre tocou para unir as pessoas e isso persistiu por toda a sua carreira.

Durante a turnê com os Jordanaires, o grupo de apoio era recebido nos melhores restaurantes e hotéis, enquanto a estrela principal tentava a sorte na porta dos fundos. Ou contava com a ajuda de seus quatro bebês brancos, que pediam um prato extra para viagem e levavam até ela em seu ônibus.

O vencedor do Oscar, Green Book, fornece um bom panorama de como era a rotina de um negro em turnê durante a segregação.

Com a diferença que a história do filme se passa em 1962, às vésperas da assinatura da Lei de Direitos Civis, que decretou o fim da segregação racial americana em 1964.

Ou seja, os tempos de Rosetta eram outros, mas nem isso foi capaz de fazê-la recuar.

E não satisfeita fazendo turnês apenas com quartetos gospel, em 1946, ela pegou a estrada com Marie Knight, sem nenhum acompanhamento além delas próprias — algo completamente inédito para a época.

Há relatos de que elas sozinhas montavam todo o equipamento, depois retornavam aos bastidores para se ajudar na maquiagem e cabelo, e, então, o show era completo. As duas cantavam, se revezavam no piano, Rosetta assumia a guitarra e Marie, a percussão.

De acordo com a historiadora Gayle Wald, elas não eram apenas companheiras de estrada e shows, mas também amantes — um “segredo aberto”, diz Wald.

E retomo a pergunta: o que mais Sister Rosetta Tharpe poderia fazer?

A primeira música de Rock’n Roll da história

Em 1944, a cantora lançou a música Strange Things Happening Everyday, uma forte crítica às hipocrisias religiosas que emplacou o 2º lugar na lista da Billboard de melhores músicas de Rhythm & Blues.

Além desse feito, para muitos historiadores e estudiosos da música, essa foi a primeira música de Rock’n Roll da história.

Não há um consenso sobre um marco zero específico para definir qual hit recebe esse título e, por isso, ele acaba dividido entre Strange Things Happening Everyday e outras três opções:

  • Rock the Joint — Jimmy Preston (lançada em 1949)
  • Rock Awhile — Goree Carter (1949)
  • Rocket “88” — Jackie Brenston (1951)

Se analisarmos pelo ano de lançamento, não há discussão.

Quando a noiva tocou guitarra

Após vários anos na estrada dedicados a desafiar a segregação racial enquanto fazia shows, em 1950, dois grandes promotores da música gospel da época fizeram uma proposta bem inusitada para Sister Rosetta Tharpe:

Combinar uma cerimônia de casamento com um show, e fazer tudo isso no Griffith Stadium, em Washington.

Ela topou de prontidão e faltava apenas um detalhe necessário para a cerimônia: um noivo. Algumas semanas antes do grande dia, Rosetta encontrou Russel Morrisson e resolveu o problema.

O casamento aconteceu em 1951 com tudo o que se tem direito, incluindo a Marcha Nupcial.

O Reverendo Kelsey se dirigiu aos 20 mil pagantes que lotavam o estádio para saber se havia alguma objeção. “Você tem uma aliança, Russel?”, ele também perguntou ao noivo e despertou várias risadas do público.

Os convidados — no caso, os fãs — levaram presentes, pratarias e até uma televisão.

E após o anúncio de “pode beijar o noivo” — pelo menos é o que Kelsey deveria ter dito —, Sister Rosetta pegou sua guitarra.

Terminava o maior casamento que a cidade de Washington havia visto para dar início a um dos primeiros shows em estádio que se tem registro.

A invasão americana

No fim dos anos 50, o Rock’n Roll havia chegado para ficar. Seus principais ídolos eram homens jovens e brancos, e Rosetta, que não lançava mais tantas músicas, seguia reencenando seus hits e parecia caminhar para o final de carreira.

Até que, em 1957, ela recebeu a ligação de um grande fã britânico. O popular trombonista de Jazz, Chris Barber, queria levá-la para a Europa e fecharam um acordo para um mês de turnê.


“Sua guitarra por si só era tão alta quanto a minha banda inteira. Foi apaixonante, totalmente fascinante.”

— Chris Barber


Até então, o público britânico havia visto Blues e Gospel apenas por imitações brancas. Pela primeira vez, eles tinham contato com a música de verdade.

Essa turnê chamou a atenção de todos na Europa, tanto de agentes quanto de novos fãs. Rosetta era uma estrela renascida e agora espalhava sua influência em um novo continente.

A cantora não estava sozinha nessa e vários artistas americanos também passaram a viajar pelo continente europeu para fazer shows.

Entre eles, estava o lendário Muddy Waters, um dos pioneiros na eletrificação do Blues, e que participou ao lado de Rosetta numa série de shows na Inglaterra que ficaram marcados como The American Folk-Blues Festival, entre 1963 e 1966.

Então, antes de toda a Beatlemania e a Invasão Britânica, primeiro aconteceu uma Invasão Americana.

Em 1963, houve somente um show dessa turnê, na cidade de Manchester e, como era algo inédito, pessoas de várias outras cidades se organizaram para prestigiá-lo. Inclusive de Londres, de onde saiu um micro-ônibus transportando, entre outros passageiros, Eric Clapton, Jeff Beck, Keith Richards e Brian Jones.

Quando comecei este artigo, estava preocupado em investigar quem Sister Rosetta havia influenciado. Agora, tenho outra pergunta em mente: quem ela não influenciou?

O ápice dessa Invasão Americana também aconteceu em Manchester, em 1964, com um dos shows mais incomuns e icônicos que se tem registro.

Ele aconteceu numa estação de trem desativada, com o palco montado em uma plataforma e o público na outra, separados pelos trilhos. Rosetta — com 49 anos de vida e mais de 40 de estrada —, que estava acostumada a limusines, chegou ao palco em uma carruagem.

Enquanto desembarcava, ela deixa claro o quanto estava contente ao elogiar o cavalo que a trouxe e ao declarar que “aquele era o momento mais maravilhoso de sua vida”, antes mesmo de colocar os pés no chão.

Por mera formalidade, Sister Rosetta recebeu a ajuda de Cousin Joe para descer e, então, caminharam lentamente de braços dados na direção de sua guitarra. “Está chovendo e as pessoas são muito gentis por ficarem aqui”, ela dava a pista de que a primeira música seria Didn’t it Rain.

Com a alça da guitarra devidamente vestida, a mão esquerda pressionando as cordas junto aos trastes e a direita com a palheta preparada, surgem as primeiras notas.

E quando começa a tocar, Rosetta está completamente entregue ao momento. Cabeça levemente curvada para trás, olhos para cima, às vezes fechados, e ela entra em comunhão com algo que não podemos ver, mas felizmente podemos ouvir.


Sister Rosetta Tharpe não era nada comum, nem simples. Ela era uma grande e bela mulher, e divina, para não mencionar sublime e esplêndida. Ela era uma força poderosa da natureza. Um evangelista que cantava e tocava guitarra.

Ela viajou para a Inglaterra com Muddy Waters e vários outros artistas do Blues no começo dos anos 60. E tenho certeza que vários jovens ingleses resolveram pegar uma guitarra após vê-la tocando.

Bob Dylan


Memórias preciosas

Depois disso, vieram diversos artistas e bandas que se consagraram no cenário do Rock e, hoje, são vistos como grandes referências no universo da música.

Rosetta, por outro lado, não teve últimos dias tão gloriosos quanto merecia. Sua mãe, que acompanhou de perto todos os seus passos, faleceu em 1968 — o que foi um baque gigantesco para ela.

Após ser diagnosticada com diabetes, teve uma perna amputada por complicações da doença, em 1971. E dois anos mais tarde, depois de sofrer um derrame, Sister Rosetta Tharpe não resistiu e acabou falecendo.

No funeral, Marie Knight fez questão de maquiar e vestir sua companheira para garantir que ela estaria o mais glamourosa possível. E prestou uma homenagem como despedida, reencenando uma música de Rosetta que estavam acostumadas a cantar juntar: Precious Memories.


Velhos tempos cantando, alegria trazendo

Daquela terra adorável em algum lugar

Memórias preciosas, como elas permanecem.



Somente 36 anos depois, em 2009, Rosetta ganhou uma lápide e, em 2018, foi integrada ao Hall da Fama do Rock’n Roll, em Cleveland.


Principais referências utilizadas:

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