Dimitri Vieira

Dahmer: uma aula de Storytelling para quem tem estômago

“Dahmer: Um Canibal Americano”, hoje, é a estrteia de série mais assistida na Netflix. Neste artigo, vamos falar sobre os principais acertos na construção de sua narrativa, especialmente considerando que é uma história contada e recontada várias vezes entre filmes, documentários e séries — 10, no total.

Com 5 dias da série disponível na Netflix, “Dahmer: Um Canibal Americano” atraiu uma audiência de 196,2 milhões de horas assistidas e superou a marca de 63,1 milhões de Round 6 em sua semana de lançamento.

Oficialmente se tornou a estreia de série mais assistida na Netflix e também a maior atração da plataforma de streaming desde a quarta temporada de Stranger Things.

Mas será mesmo que pode ser chamada de “estreia”?

Um gênero e uma história já “validados”

Esta série especificamente produzida pela Netflix, sim, é inédita. Mas a história de Jeffrey Dahmer e seus crimes, não.

Desde que chocou o mundo em 1991, quando foi preso, entre documentários, filmes e séries, foram lançados 8 shows sobre Dahmer.

Com a série “Dahmer: Um Canibal Americano”, 9. E acredite se quiser, enquanto escrevo este artigo, a Netflix estreia em sua plataforma “Conversando com um serial killer: O Canibal De Milwaukee” e chegamos a 10.

Então, é inegável: o gênero de True Crime atrai a obsessão de milhões de pessoas e a própria história de Dahmer também é obsessão à parte “validada”.

E a Netflix, que sempre soube trabalhar com algoritmos para criar suas novas produções, não deixaria passar uma oportunidade como essa. Mas entra também uma dificuldade: como criar uma versão inédita de uma história contada e recontada tantas vezes?

Uma nova visão sobre Dahmer?

Se você já leu algum conteúdo sobre Storytelling ou a arte de contar histórias, certamente se deparou com algo dizendo que a importância das histórias é que elas humanizam ainda mais as marcas e até mesmo as pessoas.

E quando o protagonista é um serial killer que cometeu crimes tão absurdos e hediondos quanto Dahmer? Será que vale mesmo a pena humanizá-lo?

Para mim, esse foi o grande acerto da série dirigida por Ryan Murphy — famoso por American Horror Story.

Ao trazer sua história de infância e as dificuldades enfrentadas pelo serial killer, a produção acaba humanizando ele também. É inevitável. Porém, a série faz o possível para colocá-lo na posição de coadjuvante e tornar as vítimas protagonistas.

Tanto que meus episódios preferidos foram justamente o 6 e o 7, “Silenciado” e “Cassandra”, que colocam Tony Hughes e Glenda Cleveland, que sofreram na mão do assassino, assumindo o protagonismo.

Essa inversão de papéis é fundamental para amenizar o efeito de silenciar e apagar suas vítimas, enquanto Dahmer ganha os holofotes.

Amenizar, mas não evitar, porque convenhamos: qual o nome em destaque no título da série mesmo?

A monstruosidade e a tensão não estão em cenas explícitas

Após ver a série, me deparei com alguns comentários na internet dizendo que ela não é tão pesada assim, porque não tem cenas explícitas. Ou até mesmo comparando com filmes como “Jogos Mortais”, que seriam mais pesados.

Apostar na violência gráfica e explícita seria uma escolha até mais fácil aqui, mas ainda bem que as cenas de assassinatos não são mostradas, viu? Ou seria ainda mais difícil assistir à série, que já é pesada demais da forma que foi produzida.

Em vez disso, a tensão é sempre construída de uma forma absurda com Dahmer atraindo suas vítimas desde o bar, até sua casa, até seu quarto.

Quando estão trancados juntos ali, é como se nós também estivéssemos e, como ele sempre drogava as pessoas para deixá-las desacordadas, não mostrar os detalhes é uma forma da série nos colocar ainda mais na pele de quem sofreu naquela casa.

Depois de entendermos a dinâmica de seus assassinatos, um simples “oi” dito por ele para iniciar conversa no bar consegue causar muito mais medo e desconforto que qualquer cena de “Jogos Mortais”.

E além da monstruosidade dos crimes e pela tensão construída escondendo os detalhes, outro grande vilão muito bem retratado pela série é o preconceito.

Jeffrey Dahmer era gay, morava numa região mais pobre de Milwaukee e a maioria de suas vítimas eram homens negros gays.

Antes de ser finalmente preso em 1991, houveram várias situações que a polícia poderia ter investigado e poupado várias vidas. Mas simplesmente não se importaram.

Em alguns momentos, por Jeff ser branco e um homem negro prestar queixa conta ele. Em outros, por não se preocuparem com a região mais pobre onde ele morava.

Porque ligações para a polícia não faltaram. Uma delas, feita por Glenda Cleveland, é mostrada em sua versão real após o episódio 2, “Não vai, por favor”.

Uma série baseada em fatos reais precisa ser 100% verídica?

Como meus episódios preferidos foram “Silenciado” e “Cassandra”, não poderia deixar de levantar essa discussão por aqui.

“Silenciado”, pra mim, foi o melhor episódio de toda a série. Mas e se eu te falar que é um dos episódios mais fictícios?

Todo o episódio é focado em Tony Hughes e ele começa após o vermos entrando com Dahmer em sua cana ao final do episódio 5. Sabendo o que costumava acontecer com quem entrava ali, conhecemos toda a sua trajetória torcendo para que ele escape.

Além de negro e gay, Tony também era surdo.

Quando conhece Jeffrey, ele estava começando a realizar seu sonho de ter uma carreira como modelo e, na série, os dois desenvolvem o relacionamento romântico mais natural que Dahmer tem na série: encontram-se várias vezes e temos até uma esperança de que ficaria tudo bem.

Porém, durante sua confissão, o assassino disse que não conhecia Tony antes da noite que o assassinou.

Com Glenda Cleveland, acontece algo parecido: a verdadeira Glenda morava no prédio ao lado e foi ela quem ligou inúmeras vezes para a polícia, mas quem morava no apartamento ao lado do de Jeffrey era Pamela Bass.

A Glenda da série é uma mistura dessas duas pessoas.

Quando isso acontece, é comum aparecer discussões sobre a série não se ater aos fatos e a verdade é que não existe mesmo essa necessidade.

Quando são feitas adaptações ou acréscimos que contribuem com a narrativa, costumam ser muito bem-vindos e é o que acontece aqui.

Em 10 episódios, não daria para colocar em foco muitas pessoas que sofreram com Dahmer. Então, a escolha foi centralizar todo o sofrimento dos vizinhos na personagem de Glenda e o mesmo foi feito com as vítimas, no personagem de Tony.

É revoltante, é pesada, mas, se você tiver estômago para passar pelos primeiros episódios, vai ser difícil parar de assistir — mesmo sabendo que todas as respostas já estão no Google.

E vai ser ainda mais difícil não se emocionar com o episódio 6.

Dimitri Vieira

Sou um escritor e produtor de conteúdo, especializado em Escrita Criativa, Storytelling e LinkedIn para Marcas Pessoais. Minhas maiores paixões sempre foram a música, o cinema e a literatura. Escrevendo textos na internet, consegui unir o melhor desses três universos, e o que era um hobby acabou me transformando em LinkedIn Top Voice e, hoje, se tornou minha profissão.

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