Que maneira de começar o ano!
Comecei 2020 lendo outro livro, mas no dia 9 de janeiro foi lançado oficialmente Consider This: Moments in My Writing Life after Which Everything Was Different, assinado por Chuck Palahniuk.
Ninguém menos que meu escritor preferido e também autor do Clube da Luta.
Se você leu algum dos meus artigos anteriores, é bem provável que já tenha visto o nome do Chuck em alguns dos textos. E como pode notar, essa é uma tendência que não vai desaparecer tão cedo.
Diante de um livro do meu escritor preferido falando justamente sobre escrita, não tive outra escolha. Deixei a outra obra para depois e comecei a ler Consider This assim que surgiu no meu kindle — já havia garantido minha cópia na pré-venda, em outubro de 2019.
Como você também pode notar, minhas expectativas para essa obra eram as mais altas possíveis. E elas foram superadas. Melhor, muito superadas.
O livro tem foco em ficção e é extremamente denso, apresentando inúmeras técnicas e conceitos práticos para melhorar a escrita de quem se dispor a aplicá-los. Quando afirmo no título que é o melhor que já li sobre o tema, não é sensacionalismo.
Se você tem alguma ideia para escrever ficção, verá nitidamente essa ideia se desenvolvendo em uma trama enquanto lê Consider This. Em alguns momentos, cheguei a ter dificuldades de concentrar na leitura por causa disso.
Só que essas distrações não duram muito. Chuck Palahniuk logo fisga você de volta com exemplos das obras que ele escreveu e as técnicas ensinadas ficam ainda mais claras.
Como referência, ele traz grandes escritores com quem aprendeu ao longo de sua carreira — nomes como o seu guru Tom Spanbauer, Stephen King e Neil Gaiman.
Para completar, Chuck nos brinda com inúmeros capítulos intitulados A Postcard from the Tour — Um Cartão Postal da Turnê, em português — que cumprem exatamente o que o nome sugere.
O autor traz histórias e experiências vividas enquanto viajava para promover seus livros. Como ele tem um senso de humor excentricamente incrível e uma criatividade fora do comum, muitas histórias valem mais do que as próprias técnicas ensinadas.
E claro, como um grande livro de escrita, vários dos ensinamentos também são válidos para não ficção. Separei os 11 principais e é disso que vamos falar agora — começando logo por um que melhoraria — e muito — os conteúdos do feed do LinkedIn.
1. Esconda o “eu”
É comum que conteúdos narrados na primeira pessoa, ou de cunho pessoal, sejam recheados do pronome “eu”.
Além do risco de ficar repetitivo e cansativo, o texto transmite a sensação que seu objetivo é apenas ostentar conquistas e satisfazer o ego do escritor.
Essa é uma das maneiras mais eficazes de deixar seu leitor na defensiva, ou até mesmo de incentivá-lo a abandonar seu conteúdo sem sequer passar da introdução.
Para prevenir isso, corte os “eus” ao revisar. Use o sujeito oculto sempre que possível, ou refaça a frase para trocar por “meu”, “minha”, “mim” e você verá que fica mais sutil.
Ao contar sua história, afaste o máximo possível a câmera de você. Afinal, storytelling não é sobre você, mas sobre seu interlocutor e como ele se identifica com seu conteúdo.
Seguindo pelas dicas que mais se encaixam com o LinkedIn, temos a próxima lição.
2. Não escreva para que gostem de você
“Gostos mudam com o tempo, tanto as preferências do público quanto os gostos pessoais de cada um. Seu trabalho pode não ser imediatamente celebrado, mas, se ficar guardado na memória de alguém, você tem boas chances de ganhar notoriedade com o tempo.”
No universo do LinkedIn, por exemplo, todos sabemos que alguns temas têm maior apelo e, portanto, despertam maior engajamento. Experimente publicar uma frase de efeito ou lição de moral sobre “recolocação”, por exemplo.
Agora, quer dizer deve fazer isso?
Pois então, não escreva pelos likes. Impactar um grupo menor de pessoas com um conteúdo de valor pode ser muito mais interessante — e eficiente — do que se adequar aos assuntos mais falados pela visibilidade.
“Veja o exemplo de alguns filmes que estrearam com péssimas críticas. A Noite dos Mortos-Vivos, Ensina-me a Viver, Blade Runner. Eles encontraram um lugar na memória do público, e o tempo os tornou clássicos. Portanto, não escreva para que gostem de você. Escreva para ser lembrado.”
3. Comece imitando o estilo de seus escritores preferidos
“O importante é que a imitação é uma maneira natural de aprender. Portanto, não, a ideia não é seguir todas as regras (…) para sempre. Mas é melhor começar com algumas regras. Aprenda algumas habilidades obrigatórias. Depois disso, você pode criar seu estilo e, se tiver sorte e sucesso, uma nova geração de aspirantes a escritor copiará seu estilo.”
O próprio Chuck Palahniuk fez isso. Sua primeira tentativa de publicação foi uma versão de 700 páginas — simulando o estilo de Stephen King.
Depois de lançar o Clube da Luta em 1996 e encontrar seu próprio estilo, ele revisitou a extensa versão, que foi reduzida, adaptada para sua própria voz e lançada três anos depois com o nome de Monstros Invisíveis.
4. Não fale, mostre. E transmita emoções
Um bom contador de história consegue chamar sua atenção.
Um melhor pode fazer você se imaginar no lugar dele.
Mas um excelente consegue fazer você sentir cada pedregulho, percalço e obstáculo pelo caminho, enquanto mantém você esperançoso pela redenção ao final do trajeto.
E não se alcança isso com palavras abstratas descrevendo dor ou prazer. É preciso transmitir isso com detalhes que sejam capazes de recriar a situação na mente do interlocutor.
No livro, Chuck traz um exemplo incrível do autor Craig Clevenger, retirado de The Contortionist’s Handbook:
“Parafraseando, ele (Craig) diz para o leitor imaginar-se acordando numa segunda-feira de manhã apavorado. Outra semana estultificante se aproxima. Outro dia de esmagar a alma no trabalho, fazendo algo que você nunca planejou fazer pelo resto da vida. Você está envelhecendo, sua vida desperdiçada, seus sonhos perdidos. E então, você percebe que é domingo de manhã. Essa onda de alívio, essa inundação de alegria e êxtase que enche você e anima todo o seu corpo com euforia — multiplique esse sentimento por dez, e é essa a sensação de um Vicodin. Bravo, Clevenger.”
Note como Craig Clevenger utiliza uma linguagem descritiva, parte de uma situação conhecida por todos e apresenta uma sensação possivelmente desconhecida de uma droga analgésica. Essa é a beleza da técnica show, don’t tell.
“Você não pode ditar emoções. Seu trabalho é criar a situação que gera a emoção desejada no seu leitor.”
5. Escreva como as pessoas falam
Segundo Chuck Palahniuk, existem basicamente três formas de comunicação:
- descritiva: “o livro foi escrito para que a dor do personagem transmitisse uma identificação pelo leitor”;
- instrutiva: “escreva para despertar a identificação do seu leitor a partir da dor do personagem”;
- expressiva: “ouch!” — ou se preferir, “ai!”
Qual das três você deve utilizar? Prefiro deixar o próprio Chuck responder:
“Pense em uma história como um fluxo de informações. Na melhor das hipóteses, é uma série de ritmos em constante mudança. Agora pense em você, o escritor, como um DJ que remixa as faixas. Quanto mais músicas você tiver para mixar (…) maior será a probabilidade de manter seu público dançando. Você terá mais truques para controlar o clima. Para acalmá-lo. Então, elevá-lo a um crescendo. Para continuar sempre mudando, variando, evoluindo o fluxo de informações, para que pareça atualizado, inédito e mantenha o leitor engajado.”
Mixar as três formas de comunicação cria um estilo conversativo natural. Descritivo, com algumas instruções ocasionais, e pontuado com efeitos sonoros ou exclamações.
É assim que as pessoas conversam.
6. As duas principais vozes da narrativa
Esse é um dos conceitos que, após tomarmos conhecimento, passamos a observá-lo em diversos conteúdos. Livros, filmes, textos, de ficção ou de não ficção. De tão abrangente e de tão eficiente que é, quando bem utilizado.
E ele é tão simples, quanto eficaz.
Basicamente, existe a pequena voz, responsável por descrever as ações, e a grande voz, que tece comentários sobre os acontecimentos.
Enquanto a pequena voz é mais descritiva e apresenta os fatos, a grande voz traz os significados e explicações necessários.
Quando a troca entre as duas é feita de forma sutil, temos ainda o efeito de elipse — que pode indicar passagem de tempo nos acontecimentos narrados pela pequena voz, enquanto a grande voz assume. Ou ainda, pode ajudar na evolução gradativa de um texto de não ficção — permitindo a apresentação de um próximo tópico.
Artigos que amarram várias histórias para discutir um tema principal acabam fazendo isso — conscientemente ou não. Foi justamente o que aconteceu no seguinte artigo que escrevi antes mesmo de conhecer esse conceito:
Para se destacar, não basta ser melhor que os outros. Você precisa ser diferente!
Porém, é preciso tomar cuidado com o uso dessa técnica:
“Mantenha sua grande voz filosofando o mínimo possível. Cada vez que você muda para ela, expulsa o leitor do sonho fictício (ou da narrativa). Muitos comentários podem atrasar o ritmo da história. E ainda pode incomodar por ser esperto ou pregador demais, ditando como o leitor deve reagir.”
7. Estabelecendo autoridade e confiança: coração vs mente
“Em nosso mundo de fake news… este mundo em que a Internet corroeu a credibilidade de todas as informações… as pessoas querem conhecer o contexto de uma história tanto quanto desejam ouvir a própria história.”
A partir do momento em que você consegue estabelecer autoridade em um texto, o leitor passa a confiar e acreditar em você. E desde que não quebre essa confiança, você pode levá-lo a qualquer lugar que deseja com a sua escrita.
Portanto, autoridade é um dos pontos mais importantes de qualquer conteúdo.
Aqui, vale uma pausa para uma ressalva. Esta técnica funciona tanto em ficção quanto em não ficção e, nos dois casos, permite que você — de fato — leve o leitor onde quiser com a escrita. Porém, não te dá permissão para iludi-lo quando se trata de não ficção.
Leia também: Muito mais importante que contar boas histórias é vivê-las e construí-las na prática.
Para Chuck, existem duas maneiras de se fazer isso: apostar na honestidade e na franqueza, ou demonstrar conhecimento. Coração vs mente.
Na primeira forma, você descarta o papel de herói e revela algo que te faz assumir o de um tolo: uma fraqueza, uma falha ou uma paixão, por exemplo.
Com esta vulnerabilidade, o leitor se torna emocionalmente envolvido e, ao mesmo tempo, se desarma. Logo fica claro que a história contada não será sobre você se vangloriando de conquistas ou contando vantagens.
No livro, Chuck traz um exemplo extremo e macabro, que certamente vai ficar em sua memória:
“No conto de Denis Johnson, Dirty Wedding, o narrador está esperando enquanto a namorada faz um aborto. Uma enfermeira se aproxima para dizer que a namorada, Michelle, está bem. O narrador pergunta: ‘Ela está morta?’ Atordoada, a enfermeira diz: ‘Não’. Ao que o narrador responde: ‘Eu meio que gostaria que ela estivesse’.”
Após esse diálogo, você certamente desperta vários sentimentos pelo narrador. Desgosto, pavor, desprezo, talvez até medo. Desconfiança, jamais. Após vê-lo se abrir dessa forma assustadora, imediatamente passamos a confiar no que ele diz.
O segundo método exige provar ao seu interlocutor que seu trabalho e sua pesquisa foram bem feitos o bastante para te tornar apto a falar sobre o assunto. Ele não engata uma conexão emocional e deve ser convincente, sem ser presunçoso.
8. Não se preocupe demais com o processo criativo
“De onde você tira suas ideias?” e “de onde vem sua inspiração?” são algumas das perguntas que mais chegam a escritores.
Chuck responde recomendando a boa e velha observação, além de tomar notas no dia a dia de tudo que possa se tornar uma ideia. Dessa forma, no momento de sentar-se para escrever, você terá um ponto de partida.
Nada de muito novo, certo?
Então ele compartilha algo que Ira Levin, autor de Rosemary’s Baby, lhe respondeu quando o próprio Chuck perguntou sobre seus processos:
“Quando perguntei sobre seus métodos de escrita, ele escreveu de volta, contando uma parábola sobre um homem com uma barba muito longa. Uma vez, alguém perguntou ao homem se ele dormia com a barba em cima ou embaixo dos cobertores, e ele não sabia dizer. Ele nunca pensou nisso. Naquela noite, ele tentou dormir com a barba debaixo das cobertas, mas não conseguiu. Então ele tentou com a barba acima dos cobertores, mas não conseguiu. E depois disso, o homem nunca mais adormeceu. O argumento de Ira Levin é: não pense demais no seu processo criativo.”
9. Coloque sua mente para trabalhar a seu favor
Enquanto estamos acordados ou mesmo sonhando, todos temos o que algumas culturas chamam de “macaco mental”, que fica batucando e tagarelando enquanto tenta encontrar sentido em cada evento presenciado.
Aquela voz que revive, remói e até reencena nossos momentos vividos.
Pois o Chuck traz uma solução bem prática para essa voz:
“Dê ao macaco mental uma grande tarefa arbitrária que a manterá ocupada (…) Quando você aproveita essa pequena voz tagarela e resolutiva em sua cabeça, uma estranha sensação de paz toma conta de sua vida. Se você é uma pessoa ansiosa, escrever pode transformar isso em um trunfo.”
Dessa forma, em vez de deixar o “Macaco Mental” te perturbar ou desconcentrar, force-o a fazer algo produtivo e que pode ser explorado em novas histórias e conteúdos.
10. Não subestime seu público
“Enquanto as pessoas argumentam que o público de hoje foi ‘emburrecido’ por vídeos de música e outros enfeites, eu argumentaria que o público de hoje é o mais sofisticado que já existiu. Fomos expostos a mais histórias e mais formas de contar histórias do que qualquer pessoa na história.”
E para fechar:
11. Uma boa história cria comunidades
“Uma boa história pode deixar todos em silêncio. Mas uma grande história evoca histórias semelhantes e une as pessoas. Cria comunidade e nos lembra que nossas vidas são mais parecidas do que diferentes.”
Nisso, o Chuck vai além e afirma que escrever não é sobre construir uma boa aparência para você, escritor. Mas sim, dar permissão para que as pessoas contem suas histórias a partir da sua.
E isso tem tudo a ver com algo que o guru do autor, Tom Spanbauer, defende:
O principal ponto e desafio ao escrever é guiar você próprio a locais em que jamais iria voluntariamente. Somente assim você será capaz de fazer o mesmo com seu leitor.
Apenas saindo de sua zona de conforto, você conseguirá produzir um conteúdo capaz de impactar o seu leitor de maneira inesquecível.
Como fazer isso?
“Se você fosse meu aluno, lembraria você da instrução de Tom Spanbauer: escreva sobre o momento após o qual tudo foi diferente.”
Embora esteja muito recente, sinto que a leitura de Consider This certamente foi um desses momentos. Então, nada mais justo que escrever sobre ele, não acha?
E você, conhece algum livro de escrita para me indicar?
É só dizer nos comentários! 🙂