Nos primeiros segundos, Roma deixa claro que será um filme fora dos padrões.
Em vez do desespero para entreter e prender a audiência logo de cara, a abertura da obra se dá com a água correndo pelo piso, cultivando nossa paciência e nos preparando para o que virá em seguida.
O filme testa nosso imediatismo e, se você espera algo hollywoodiano, ele pode não descer muito bem. Foi o que aconteceu comigo em minha primeira tentativa de vê-lo. Menos de 15 minutos de sessão e já estava cochilando.
Então, baixei minha guarda para encarar Roma como uma experiência — não como um mero entretenimento — e o resultado foi um dos filmes mais bonitos e diferentes que já vi.
Ao mesmo tempo em que parece acontecer nada, temos o colapso de um país e de um casamento formando o cenário para acompanharmos a protagonista. Tudo relatado de forma sutil e simbólica.
Não existe a clássica jornada do herói que nos acostumamos a ver no cinema. Não é uma trama grandiosa cheia de idas e vindas, altos e baixos.
Na verdade, não existe um herói. Nem uma narrativa propriamente dita.
Neste ponto que entra a arte de contar histórias, deixando claro que o Storytelling não se trata meramente da história em si, mas principalmente da forma como ela é contada.
Experiência de imersão na vida dos personagens
Acompanhamos toda a trama pelo ponto de vista de Cléo. Mas não da forma mastigada que Hollywood nos deixou acostumados.
Testemunhamos a história acontecendo como se fôssemos um vizinho curioso. Dessa forma, temos uma experiência de imersão e observação, em que caminhamos com os personagens, dirigimos, comemos e vivenciamos com eles todas as agonias, por um intervalo próximo a um ano.
Essa imersão é proporcionada, principalmente, pelo estilo de filmagem utilizado e por uma das técnicas mais interessantes do Storytelling:
Show, don’t tell (mostre, não fale)
Alfonso Cuarón se propôs a fazer um filme sobre suas memórias da infância no México. Mas, em vez de recontá-las, ele as recria de uma forma que nos permite construir nossas próprias memórias.
Afinal, o Storytelling não é sobre você ou sua marca. Mas sobre sua audiência e a percepção que ela tem com base em sua atuação e posicionamento.
Dessa forma, o filme ultrapassa o que um mero entretenimento ofereceria e se transforma numa experiência que te permite se conectar de verdade com os personagens e tirar suas próprias conclusões.
Simbolismos em Roma
Uma mesma cena pode ter um significado para mim e outro completamente diferente para você. Essa é a beleza da técnica de show, don’t tell.
Não necessariamente há um significado para todas as cenas, mas elas ficam abertas para interpretação da audiência.
Assim, é possível encontrar uma explicação simbólica para a água que acumula na vida de Cléo até culminar na cena da praia, no avião que vemos várias vezes no filme e até na cena de meditação.
Para evitar spoilers que comprometam a experiência de quem ainda não viu Roma, vou me ater a uma única explicação:
O carro da família que mal cabe na garagem
Primeiro, ele evidencia o materialismo do pai e seu desconforto com a vida em família.
Em seguida, quando a mãe tenta estacioná-lo e bate o veículo, ele ilustra o colapso do casamento e o consecutivo conflito emocional da matriarca.
Por último, quando trocado por um carro menor, mostra a superação da mãe que passa a encontrar maior conforto sem o marido.
Finalmente, com todos esses elementos e técnicas, temos uma trama construída de forma extremamente sincera e realista.
História real
Embora seja uma ficção baseada nas lembranças de Cuarón, Roma é uma história muito mais verdadeira que vários filmes baseados em fatos reais — como Bohemian Rhapsody, que escolheu um caminho romantizado e superficial.
O filme mexicano relata uma história que acontece com frequência à nossa volta. Porém, com nossos privilégios, não costumamos tomar conhecimento.
“Muitas vezes, somos incapazes de olhar para o que temos diante de nós, a menos que esteja dentro de um quadro. ( Abbas Kiarostami)”
Em Roma, é como se Cuarón encaixasse essas situações do nosso cotidiano em uma moldura e, assim, permite inúmeras reflexões:
• Valorização de pessoas invisíveis em nosso cotidiano;
• A importância de assumir o protagonismo de nossas vidas.
Muitas vezes, preferimos uma experiência mais fácil de ser digerida e processada. Por isso, Roma divide opiniões em extremos.
Como o britânico Passenger afirma em uma música:
“Se um vídeo explicando o sentido da vida fosse transmitido no YouTube, Gangnam Style ainda teria mais visualizações”.
Portanto, se ainda não viu a obra de Alfonso Cuarón, te convido a abaixar sua guarda e encará-lo como uma experiência diferente. Garanto que vai valer a pena.
E se você assistiu ao filme, gostaria de saber o que achou e, principalmente, qual foi o simbolismo que mais chamou sua atenção?