Dimitri Vieira

Do anonimato ao sucesso mundial: como o Storytelling, a Construção de Marca e o Marketing trabalharam juntos em La Casa de Papel

Difícil pensar numa série, ou filme, que tenha explorado tão bem o Storytelling e a Construção de Marca em sua narrativa a ponto de praticamente não ter precisado de marketing. La Casa de Papel soube fazer isso com maestria. Entenda como!
La Casa de Papel - Marketing e Storytelling

Preciso confessar: tenho um sério problema com hypes.

Se aparece uma série nova e, imediatamente, vejo todas as pessoas falando sobre ela nas redes sociais, minha reação é não querer assistir.

Então, quando uma série é muito comentada, acabo assistindo apenas depois de um tempo.

Breaking Bad, por exemplo, fechou sua última temporada em 2013 e só fui começar a ver a série dois anos depois.

Com La Casa de Papel, foi bem parecido.

Primeiro, tive preguiça da série. Agora, depois de maratonar as 4 temporadas nas últimas semanas, entrei para o time que fala sobre ela nas redes sociais.

Um detalhe que pode passar despercebido é que, antes do sucesso, a série fracassou.

Hoje, La Casa de Papel é a produção da Netflix mais vista na história da França, Itália, Argentina, Chile, Brasil e Portugal.

Porém, quando foi lançada, os episódios eram transmitidos apenas em um canal de TV aberta na Espanha, Antena 3. A série não emplacou, sua audiência caiu muito desde a estreia e todo o elenco se despediu quando terminaram as filmagens da 2ª temporada.

Terminava ali a série espanhola.

Foi nesse momento que a Netflix comprou a série e a adicionou ao seu catálogo.

No início, não houve qualquer ação de marketing. Apenas uma capa a mais para as pessoas navegarem e encontrar na plataforma de streaming.

Por isso, nem os mais otimistas do elenco esperavam que a série se transformasse no fenômeno que se tornou.

E, se ela não precisou de marketing, foi porque o próprio Storytelling e a construção narrativa de La Casa de Papel cumpriram esse papel.

Se você ainda não assistiu, prometo evitar spoilers para preservar sua experiência com a série e te incentivar a abrir a Netflix assim que terminar a leitura.

Se já assistiu e gostou, este artigo vai esclarecer alguns bastidores que justificam o sucesso da produção espanhola.

Vamos desconstruir juntos alguns princípios do Storytelling usados na série, que ajudaram na construção do fenômeno mundial que La Casa de Papel se tornou.

Uma breve sinopse para quem não viu

Um grupo de oito ladrões e seu líder, que atende pelo nome de Professor, decide executar o maior roubo da história — ao invadir a Casa da Moeda da Espanha — após cinco meses reunidos planejando e antecipando tudo o que poderia acontecer durante o roubo.

A narrativa mostra sempre duas fases diferentes: o planejamento e a execução do roubo, além de trazer alguns flashbacks com lembranças dos personagens.

Dessa forma, temos sempre um paralelo entre o que foi pensado e o que, de fato, aconteceu.

Se pensarmos em “filmes de assalto” famosos, existe um certo clichê de um roubo espetacular acompanhado de um plot twist — uma reviravolta na trama que leva a história para outra direção.

Claro que existem exceções, mas os 11, 12 ou 13 homens e seus segredos não me deixam mentir.

Só que, em La Casa de Papel é diferente.


“Por muito tempo, havia uma regra não escrita de que os filmes de ação eram vazios e superficiais, e os filmes mais íntimos e sensíveis eram chatos. Nós mesclamos os dois conceitos.”

— Álex Pina, Criador Produtor Executivo e Roteirista


Os personagens

O roubo espetacular e a reviravolta podem impressionar, mas não criam uma conexão entre o público e o filme (ou série). Uma forma de se fazer isso é com os personagens.

E a série aproveita muito bem o tempo maior de tela, se comparada a um filme, para mostrar os bastidores dos personagens no momento certo.

Logo de cara, sabemos que eles estão envolvidos com a invasão da Casa da Moeda. Aos poucos, conhecemos o passado de cada um e o qual foi a motivação para fazê-los roubar a Casa da Moeda.

Uma prova de como a narrativa faz isso bem e no timing perfeito é Berlim — interpretado por Pedro Alonso. Ao nos apresentar seu passado, La Casa de Papel transforma um dos personagens mais desprezíveis da trama em um dos mais queridos pelo público.

Cada um dos personagens principais tem, pelo menos, uma qualidade e uma fraqueza apresentadas. Da mesma forma que os admiramos, nos identificamos com eles.

Nesse caso, o melhor exemplo é o Professor. Um gênio, idealista e com uma capacidade de planejamento fora de série. Ao mesmo tempo, apresenta vários traços do típico nerd, com dificuldades para interagir e socializar.

Esse é um dos primeiros passos da série para nos fazer enxergar que ela vai além de apenas um roubo.

Mas não é isso que nos deixa vidrados diante da tela para maratonar os episódios.

O conflito

La Casa de Papel é um verdadeiro duelo de xadrez entre o grupo liderado pelo Professor e a polícia, com a possibilidade constante de algo dar errado e comprometer o plano.

Esse é o conflito externo da série, com a disputa entre personagens.

Além dele, acompanhamos e conhecemos também os conflitos internos dos protagonistas.

E o ponto-chave da série: o conflito extra-pessoal.

Com o roubo, o grupo não está interessado apenas no dinheiro. E quando invadem a Casa da Moeda, eles não declaram guerra apenas contra a polícia, mas contra o sistema.

A luta, então, se torna filosófica — contra injustiças da sociedade.

Quando o Professor faz as contas de quanto os bancos da Espanha faturaram no ano anterior e pergunta se era justo, isso fica evidente.

Na própria história, o grupo de ladrões entende que, se roubassem a instituição Casa da Moeda sem maltratar os reféns e expondo suas fraquezas, a opinião pública ficaria a favor deles.


“Imaginem uma partida de futebol da Copa: Brasil contra Camarões. Quem ganha? Melhor ainda, quem vocês querem que ganhe? Camarões? Se perceberem, instintivamente, o ser humano sempre fica do lado dos mais fracos, dos perdedores. Então, se a gente quer mostrar para o mundo as nossas fraquezas, as nossas feridas, que estamos quase nos rendendo, vamos criar uma comoção.”

— Trecho parafraseado do vídeo a seguir.


Nesse ponto, a série já teria uma trama fantástica e conseguiria prender bastante a atenção de qualquer pessoa que apertasse o play ao encontrá-la no catálogo da Netflix.

Mas provavelmente não teria se tornado o fenômeno mundial que se tornou.

A simbologia

La Casa de Papel tem uma cor marcante, com o vermelho aparecendo tanto nos macacões do grupo, quanto na fotografia da série.

Tem também um escudo, ou uma máscara, com o rosto de Salvador Dalí.

E um hino, com a canção Bella Ciao — que representou a resistência antifascista italiana e foi resgatada pela série.

Depois de se identificar com os personagens e comprar sua causa — pela resistência e luta contra o sistema —, as pessoas passaram a usar a simbologia de La Casa de Papel em suas próprias causas e manifestações, com direito a trilha sonora.

Em agosto de 2019, mais de 80 imigrantes retidos em navio desembarcaram na Itália cantando Bella Ciao.

Torcidas de futebol se inspiraram na série.

A fantasia dos assaltantes se transformou em uniforme para protestos e manifestações.

E no fim das contas, os mesmos princípios e ideias que funcionam no desenvolvimento da trama de La Casa de Papel construíram a marca e fizeram o marketing da série.

Foi o próprio público quem fez o sucesso de La Casa de Papel.

Porque as pessoas que encontraram a capa da produção espanhola no catálogo da Netflix, quando ela foi adicionada por lá sem qualquer ação de marketing, fizeram questão de espalhar a palavra do Professor e seu grupo de ladrões.


“Cada pessoa pode usar um macacão vermelho, a máscara de Dalí e a ‘Bella Ciao’ para sua própria luta.”

— Jesús Colmenar, Diretor e Produtor Executivo da série


Se você já viu La Casa de Papel, concorda comigo? Ficou com vontade de assistir à série de novo?

Se ainda não assistiu, vale separar a pipoca para o final de semana e maratonar a série. Inclusive, uma dica extra: acostume-se a pausar os episódios no meio em vez de parar de ver apenas no final. Porque praticamente todos os episódios exploram demais a técnica de cliff hanger — deixando o final em aberto para te incentivar a começar o próximo episódio. 

E claro, agora é a sua vez de me dizer:

Conhece alguma outra série (ou filme) que a narrativa foi tão bem trabalhada a ponto de dispensar o marketing? Me conta aí nos comentários.

Quem sabe ela não aparece por aqui em um próximo artigo?

Principais referências utilizadas:

Dimitri Vieira

Sou um escritor e produtor de conteúdo, especializado em Escrita Criativa, Storytelling e LinkedIn para Marcas Pessoais. Minhas maiores paixões sempre foram a música, o cinema e a literatura. Escrevendo textos na internet, consegui unir o melhor desses três universos, e o que era um hobby acabou me transformando em LinkedIn Top Voice e, hoje, se tornou minha profissão.

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