Qual seria a sua reação, ao ler um livro, se você descobrisse que o suposto autor não foi quem de fato escreveu a obra?
Recentemente, passei por essa sensação enquanto lia All marketers are liars, de Seth Godin.
Felizmente, era apenas um experimento do autor para evidenciar a frustração causada por uma história contada sem ser vivenciada na prática.
“Quando você descobre que o livro foi escrito por outra pessoa — de quem você nunca ouviu falar — é uma história completamente diferente, não é? As ideias são as mesmas, mas a mentira é diferente. E a mentira é, pelo menos, tão importante quanto as ideias no livro. (Seth Godin)”
Ao trabalhar com Storytelling, não há nada mais perigoso que construir sua marca com base em histórias falsas. Em algum momento, isso vem à tona e as consequências são drásticas.
Como primeiro exemplo, basta lembrar da Rawvana, a influenciadora vegana que foi filmada comendo peixe e se viu diante de uma enorme crise de imagem.
Essa situação pode acontecer com marcas pessoais, no marketing de uma empresa e também no universo da música.
O dilema dos ghostwriters na música
No álbum Lemonade, lançado em 2016, Beyoncé contou com 72 escritores para compor as músicas. Com a letra de uma única canção chegando a creditar 15 pessoas diferentes.
Isso prejudicou a imagem dela como artista?
Não, pelo contrário. Ao trabalhar com tantos outros escritores, ela teve maior liberdade para atuar na produção das músicas. Ou seja, cada detalhe do álbum teve o toque de Beyoncé — o que não seria possível caso ela tivesse se dedicado para assumir total autoria das letras.
E ao dar crédito para todos os envolvidos, ela deixou claro que a obra tratava-se de uma colaboração, além de dar a merecida visibilidade para os escritores.
Agora, imagine o que poderia acontecer se ela tivesse escolhido usar os escritores como ghostwriters.
Isto é, caso a Beyoncé escolhesse pagar cada um dos 72 autores para que colaborassem com o álbum na condição de que ela seria a única autora creditada. Em algum momento, isso poderia vir à tona, não acha?
Pois foi exatamente o que aconteceu com o rapper Drake.
Em 2015, surgiu a notícia que ele trabalhava com ghostwriters em suas músicas, apesar das letras extremamente pessoais do cantor. Quando ele finalmente decidiu se manifestar sobre o assunto, foi para dizer que “música pode ser um processo colaborativo”.
Desde então, sua reputação passou por um baque e sua imagem continua sendo associada ao caso. Isso porque, em sua carreira, Drake contava a história de que era o único responsável por escrever suas letras, mas a prática provou o contrário.
Ou seja, a música pode sim ser um processo colaborativo, desde que se aja como tal: trabalhe com outros 72 escritores e lhes dê os devidos créditos que não há problema algum. Mas um único escritor descreditado pode ser o suficiente para comprometer sua imagem.
Uma falsa história no marketing
Além do experimento citado na introdução, Seth Godin traz um excelente exemplo de como não usar o Storytelling no Marketing: Lennox e seu “garoto propaganda”.
Para criar um clima de familiaridade e proximidade com seu público, a Lennox apostou na imagem de seu fundador: Dave Lennox.
Fonte: reliablehome.ca
Ao ligar para a fornecedora internacional de produtos de controle climático, uma gravação de Dave era o seu primeiro contato com a Lennox.
A evidente empolgação em sua voz ao anunciar um sonoro “Oi, é o Dave!” fazia você se sentir parte da família. E tudo corria bem, até que você tivesse um problema com algum equipamento e precisasse entrar em contato.
Nesse momento, você descobriria que o Dave da gravação não se encontra.
Não apenas por estar ausente no momento, mas porque ele faleceu em 1947 e a empresa continuou usando suas gravações. Além de contratar um ator para encená-lo nas propagandas.
Pior que a ausência física de Dave, é o fato de seu espírito e cultura também não estarem mais presentes. Segundo Seth Godin, não havia mais familiaridade e o atendimento caía de nível consideradamente.
Toda a estratégia era vista como uma fraude e não apenas frustrava o cliente, como o deixava sentindo-se enganado e irritado.
“Uma fraude é um discurso usado no Marketing que, ao ser revelado como uma história, deixa quem acreditou nela com raiva. É enganoso. Uma fraude é uma história contada unicamente para beneficiar quem está por trás do Marketing. Uma fraude é marketing com efeitos colaterais. (Seth Godin)”
Histórias contadas na escrita e em conteúdos online
O bom Storytelling tem como principal objetivo transmitir uma mensagem capaz de transformar a vida de seu leitor para melhor. E para fazer isso, pode até mesmo usar uma mentira elaborada — desde que a mensagem transmitida seja verdadeira.
Temos várias fábulas que comprovam isso. Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, não é real, mas cumpre seu papel de ensinar crianças sobre o perigo de se confiar em estranhos.
Agora, o Storytelling ruim — e perigoso — enfeita uma mensagem para transmitir uma mentira, que costuma deixar o leitor em segundo plano para inflar o ego do autor, anunciando o quão benevolente e altruísta ele é.
Não me entenda errado, não há problema algum em escrever sobre suas conquistas. Até porque elas certamente servirão de inspiração para seus leitores.
O problema começa quando as histórias são tão romantizadas que seu autor esquece que elas deveriam transmitir uma mensagem. E o mais grave em termos de marketing pessoal: elas não são construídas, nem vivenciadas na prática.
Portanto, em vez de servir ao seu ego, procure servir e ensinar à sua audiência. Assim, você terá um diferencial claro e ainda construirá, na prática, uma história autêntica.
Afinal, escrever não ficção é muito mais fácil do que escrever ficção.
“As pessoas acham que o mentiroso triunfa sobre suas vítimas. O que aprendi é que uma mentira é um ato de autoabdicação, porque quem mente entrega a sua realidade à pessoa para quem a mentira se dirige, tornando-se um servo daquele indivíduo, ficando condenado dali em diante a falsear a realidade tal qual ele exige. (Ayn Rand)”