Dimitri Vieira

Tudo em nome dos cliques: vale a pena apostar todas suas fichas em um “viral”?

Viralizar nas redes sociais se tornou uma fórmula de sucesso. Tanto que muitos criadores de conteúdo passaram a criar conteúdo com essa única finalidade, mas será que vale a pena apostar todas as suas fichas nisso?
Tudo em nome dos cliques: vale a pena apostar todas suas fichas em um "viral"?

2 milhões e 800 mil pessoas. Um único post.

É cada vez mais comum vermos pessoas ostentando métricas assim, não é? Agora, o que esses números te contam?

Esse foi o resultado de um conteúdo meu e já vamos falar sobre ele.

Primeiro, precisamos conversar sobre o fenômeno que se tornou viralizar nas redes sociais. Numa era em que 75% dos jovens brasileiros sonha ser influenciador digital, ter um post viral se tornou o pote de ouro do outro lado do arco-íris.

Todos os dias, conhecemos uma nova história de alguém que explodiu depois de um único post alcançar milhares de pessoas. É o novo “estourou da noite pro dia”.

Para muitas pessoas, viralizar se tornou um caminho. Para outras, mais do que trajetória, é a única finalidade de criar qualquer conteúdo.

Mas o que existe por trás de um viral?

Para começarmos essa conversa, poderia escolher vários exemplos: Luva de Pedreiro, Lil Nas X ficando milionário do dia para a noite graças ao TikTok, Anitta conquistando o topo do Spotify Global com uma música lançada meses atrás que — adivinha? — viralizou nas redes sociais.

Preferi escolher um exemplo que conheço bem e que aconteceu antes da rede social das dancinhas nascer.

O nascimento de um viral

3,4 bilhões de visualizações. Esse é o número atualizado do clipe de uma música publicado no YouTube em 2012, de um cantor folk, que continua no Top 30 vídeos do YouTube até hoje.

Na época, o compositor já fazia seus shows, mas passava boa parte do tempo como um artista de rua, apresentando-se com a capa do violão sempre aberta para receber uns trocados e com algumas cópias de seus CDs à venda.

Nessa fase da carreira, ele convivia com muitas pessoas de origens e histórias diferentes. Nas ruas, praças e em hostels.

Muitas dessas histórias acabaram se tornando algumas das minhas músicas preferidas que ele escreveu.

Talvez, quem sabe, alguma delas seria seu grande hit que o tornaria mundialmente conhecido e faria com que ele não precisasse mais ser um artista de rua?

Não foi o que aconteceu.

Mike Rosenberg, mais conhecido como Passenger e mais conhecido ainda como cantor de Let Her Go, escreveu uma música que ele próprio descreve como uma canção clichê sobre um término de relacionamento.

Foi ela que alcançou o topo em 16 países, mais de 3 bilhões de pessoas no YouTube e chegou a ser o vídeo mais assistido na história da Austrália.

Como um bom fã chato, é claro que aprendi a detestar Let Her Go e, sempre que posso, faço questão de passar a música. Então, aqui, não teria como fazer diferente.

Em vez de um vídeo dela, prefiro te mostrar esse abaixo, mas tem um motivo especial (além do cover maravilhoso de Don’t Think Twice, it’s Alright do Bob Dylan).

Esse vídeo foi gravado por alguém que passava pelas ruas de Hamburgo, no dia 17 de junho de 2012. Um mês antes do futuro hit do cantor ser postado.

É maravilhoso apertar o play e imaginar que o Mike do vídeo não fazia ideia que sua vida mudaria tanto em tão pouco tempo.

Fica ainda melhor se você conhece mais do trabalho do cantor.

A música autoral que ele canta, Words, somente seria lançada oficialmente em um álbum 3 anos depois, no excelente Whispers II. Isso é só um pequeno exemplo do repertório gigantesco do cantor, que lançou 14 álbuns na carreira até o momento.

Também é impressionante como a essência da sua performance em shows é a mesma do vídeo. Tive o prazer de ver três shows dele ao vivo e, inclusive, dois deles tiveram abertura do Stu Larsen — o mesmo cantor que o acompanha nessa gravação.

Let Her Go nunca foi fabricada para viralizar. Era apenas a próxima música — como ele sempre faz questão de contar após tocá-la em shows.

O que os números (não) contam?

Agora que o artigo ganhou uma trilha sonora, podemos voltar para o post de 2 milhões e 800 mil pessoas.

Era novembro de 2022, dia da estreia do Brasil na Copa do Mundo, o jogo mal tinha acabado e as redes sociais já estavam abarrotadas com histórias de superação e lições de moral inspiradas no gol do Richarlison.

Na época, estava divulgando meu trabalho e o curso de LinkedIn para Marcas Pessoais numa frequência maior. Decidi dar um respiro e, em vez de falar do gol do Brasil, decidi escrever sobre o canal onde assisti ao jogo: a estreia do Casimiro na transmissão da Copa.

Um texto rápido que não me tomou 10 minutos, uma pesquisa por uma foto do Cazé e pronto. O que seria apenas um respiro se tornou um dos meus posts com maior alcance no LinkedIn.

Em vez de teorizar sobre os motivos de ter tomado essa proporção toda, vamos nos ater aos números e aos resultados.

2 milhões e 800 mil.

Chama bastante atenção, rende um belo slide em apresentações para falar sobre o alcance orgânico do LinkedIn e foi um belo cartão de visitas para novas pessoas conhecerem meu trabalho — especialmente porque direcionei o foco do texto para Creator Economy.

Mas resultados mesmo? Já tive conteúdos com 20 curtidas que me trouxeram cliente, mas ainda não descobri alguém que chegou especificamente por esse post do Cazé.

Na maioria das histórias contadas sobre virais, os números impressionam, mas não te contam a história toda — especialmente se contadas pelos autores dos virais.

Quando não tem um contexto, então, pode desconfiar sempre.

Não vou mentir, faz muito bem pro ego ter um post com um alcance desses e é justamente assim que a busca por um viral pode se tornar uma armadilha.

A armadilha da busca constante por um viral

Quando algo ganha uma lei, é fácil ver que o buraco é mais embaixo.

É o caso da placa de proibição inusitada que encontramos por aí: se ela existe, é porque já houve problemas o bastante com aquilo para justificar uma placa.

E graças a um artigo recente do Vitor Peçanha, descobri que existe uma lei para essa discussão:


“Quando uma medida se torna uma meta, ela deixa de ser uma boa medida.”

Charles Goodhart – 1975


Um exemplo dessa lei, que o Peçanha trouxe no texto, aconteceu na Índia durante o domínio britânico. Na tentativa de reduzir a população de cobras venenosas, os governantes passaram a pagar uma recompensa por cada cobra que os locais conseguissem capturar.

O resultado?

Em vez de apenas capturar cobras, não demorou para os indianos começarem a criar suas próprias cobras para aumentar suas rendas. Vendo que a situação piorava, os britânicos pararam de pagar pelos animais e os locais que criavam cobras em cativeiro soltaram todas na natureza.

É sedutor falar apenas de temas em alta para tentar repetir a dose de dopamina de um viral. Nessas horas, o criador de conteúdo do LinkedIn se torna especialista em carreira, mercado de trabalho e investe pesado em indiretas para a ex(empresa).

Eu poderia me tornar o “especialista em Casimiro”. O Passenger poderia apostar apenas em clichês românticos. E poderia — aliás, pode — funcionar.

Mas, se tudo o que você faz é tentar criar um viral, o que as pessoas vão encontrar quando chegarem em seu perfil? Uma miscelânea de temas em alta e frases de efeito?

Se milhares de pessoas conhecerem você dessa forma, vai surtir algum efeito positivo além da dose de dopamina? Porque, na melhor das hipóteses, um viral se torna um belo cartão de visitas para conhecerem seu trabalho.

Mas e quando o seu trabalho se torna viralizar?

Histórias de virais trazem uma visão distorcida pelo efeito da retrospectiva. Na maioria dos casos, o criador apenas fazia seu trabalho, em vez de fabricar virais.

Inverter essa ordem até pode funcionar, mas a busca desenfreada para viralizar a qualquer custo costuma trazer efeitos colaterais na identidade e na essência do criador.

Vale pagar esse preço para apostar todas as suas fichas em um viral?

O próprio Passenger dá a resposta em outra música.


“A única coisa que eu sei, a única coisa que me dizem é que tenho que me vender se quiser vender minha música. Não quero que o diabo leve minha alma. Escrevo músicas que vêm do coração e não dou a mínima se elas vão entrar nas paradas ou não. A única forma de ser verdadeiro é dizer o que eu vejo e não ter nenhuma sombra pairando sobre mim.

(…)

Não quero parar, não serei persuadido a escrever palavras nas quais não acredito para ver meu rosto em uma tela de vídeo.”

— “27”, Passenger


Dimitri Vieira

Sou um escritor e produtor de conteúdo, especializado em Escrita Criativa, Storytelling e LinkedIn para Marcas Pessoais. Minhas maiores paixões sempre foram a música, o cinema e a literatura. Escrevendo textos na internet, consegui unir o melhor desses três universos, e o que era um hobby acabou me transformando em LinkedIn Top Voice e, hoje, se tornou minha profissão.

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