Dimitri Vieira

Como criar o Conflito Perfeito para uma história?

Crie um conflito fraco e as pessoas sequer prestarão atenção. Resolva o conflito sem introduzir um novo e as pessoas não prestarão mais atenção. E você pode até criar o conflito ideal, mas, se pecar na resolução, a decepção é certa. Quer entender como criar o conflito perfeito com um exemplo bem simples?
Como criar o conflito perfeito

No último fim de semana, decidi rever o filme CODA, batizado de “No Ritmo do Coração” aqui no Brasil e vencedor do Oscar de melhor filme no ano de 2022.

O vencedor do Oscar teve seu roteiro adaptado de uma comédia dramática francesa de 2014, “A Família Bélier” e concorreu com “Belfast”, “Drive My Car”, “Ataque dos Cães, Licorice Pizza” e outros.

Confesso, não era meu favorito da lista.

Isso porque é um filme mais simples e com alguns clichês, sem um toque tão inovador assim, sem grandes reviravoltas e sem pirotecnias.

Talvez por influência do “Meu Pai” e “Parasita”, que foram destaques nos anos anteriores, “No Ritmo do Coração” não me pareceu um filme digno de Oscar em um primeiro momento.

Mas preciso te dizer que ganhou vários pontos comigo nesse último fim de semana.

Nessa simplicidade dele, alguns toques ajudaram a construir o conflito perfeito e, desse conflito, nasceram algumas cenas que são um espetáculo à parte no filme.

Essas cenas isoladas bateriam vários dos concorrentes na lista de potenciais melhores filmes.

Já vamos falar sobre elas por aqui, mas vale relembrarmos antes:

Como construir o conflito perfeito

No maravilhoso livro “Story”, do Robert McKee, o conflito é dividido em basicamente três níveis.

De forma bem resumida:

  1. Conflito interno: desafios e lutas pessoais;
  2. Conflito externo: enfrentando situações exteriores ao personagem e, talvez, um antagonista;
  3. Conflito extra-pessoal: contra entidades e situações injustas, que ferem a ordem natural e podem trazer um tom filosófico à história.

Uma história que segue a Jornada do Herói como um checklist, por exemplo, corre o risco de trazer apenas um conflito externo — com o protagonista vivendo simplesmente uma jornada externa.

Nesse caso, os três atos da história acabam reduzidos meramente a início, meio e fim; o arco do personagem principal é completamente ignorado e não há transformação alguma.

Sem essa transformação, temos uma espécie de Jornada Estática: um protagonista imutável que chega no último ato exatamente como começou e, portanto, é incapaz de inspirar qualquer mudança por parte do público.

Quando temos um conflito interno e um externo, melhoramos um pouco mais os ingredientes para uma boa história.

Mas é adição do conflito extra-pessoal que, geralmente, leva a trama para outro nível. Como já vamos ver, você pode encontrar os três níveis em “No Ritmo do Coração”.

O conflito precisa ser personalizado (para o protagonista e para o contexto)

Discutir qual vem primeiro (contexto, protagonista ou conflito) seria entrar numa discussão de ovo ou galinha.

O ponto é: quanto mais esses elementos conversam, mais específica e mais forte será sua história.

Vamos supor que a personagem principal tem o grande sonho de investir numa carreira musical como cantora.

Se ela tiver pais artistas que a apoiem e um professor disposto a treiná-la nas horas vagas? Fim da história.

Ela terá todo o suporte possível logo de cara e duvido que uma trama assim te segure na cadeira por 2 horas.

Se ela tiver pais conservadores que não apoiariam uma carreira artística, melhora bastante.

É o caso do clássico “Billy Elliot”: filho de um mineiro, ele quer aprender a dançar balé, mas seu pai é do tipo que somente aceita seu filho lutando boxe — até vê-lo dançar.

Mas e se o pai não pudesse vê-lo dançar?

E se, além disso, a família dependesse dele a ponto de comprometer uma possível vida longe da família?

No Ritmo do Coração

O filme conta a história de Ruby, a única pessoa de sua família que consegue escutar. Seu pai, sua mãe e seu irmão são surdos não oralizados. Então, ela cresce atuando como intérprete da família e, em várias situações, desde novinha, ela precisa cuidar dos seus pais quando o natural seria o contrário.

Seu grande sonho é ser cantora e fazer faculdade de música em outra cidade. Mas, por mais que ela tenha um professor disposto a ajudá-la, sua família não consegue entender esse sonho tão fácil. Numa cena, sua mãe chega a lhe perguntar “se eu fosse cega, seu sonho seria ser pintora?”.

Além da dificuldade de compreender, tem a questão da dependência: quando sua família decide investir num negócio de pesca, então, Ruby se torna ainda mais necessária para intermediar a comunicação.

E tem a questão de tempo: como lidar com o ensino médio, as questões da adolescência e ainda correr atrás de um sonho com tantas responsabilidades nas costas?

Pronto. Conflitos internos, externos e extra-pessoais checados e marcados em negrito — logo na sinopse.

Mas o ponto-chave de tudo é: como Ruby poderia convencer seus pais a apostarem em seu sonho e abrir mão da presença da filha no dia a dia — se eles sequer conseguem ouvi-la cantar?

Depois de criar, como resolver o conflito?

A resposta, como não poderia ser diferente, vem da música. Mas não de uma forma tão óbvia assim.

Primeiro, seus pais e irmão comparecem em um show de talentos de sua escola para vê-la cantar. Numa transição genial, a cena tem o áudio cortado para nos colocar no lugar da família e fica bem mais difícil acreditar no dom de Ruby assim. [veja aqui]

Depois, seu pai, Frank, lhe pergunta sobre o que era a música que ela cantou.

Ela diz que é sobre amar e depender de alguém, e ele pede que sua filha cante a música novamente — à capella mesmo, com os dois sentados na traseira da caminhonete sob as estrelas.

Naquele momento, Frank tenta entender a paixão da sua filha, se ela é mesmo boa ou não e, principalmente, se ele a deixa partir para apostar na música.

Seu pai coloca a mão em seu pescoço para testemunhar melhor ela cantando e, então, acompanhamos toda a evolução em seu rosto.

Da estranheza da incapacidade de entender, à surpresa de contemplar algo inacreditável, à ternura com toques de orgulho, amor e tristeza do pai que, agora, confia no sonho da família. Mas sabe que isso significa ter que deixá-la ir embora.

Pouco mais de um minuto para solucionar o conflito perfeito, numa cena que vale mais que vários filmes inteiros.

E a letra de “You’re all I need to get by” é a cereja do bolo pra fechar, com perfeição, uma cena digna de Oscar e de ficar marcada muito tempo na memória de quem assiste ao filme.


“With my arms open wide, I threw away my pride. I’ll sacrifice for you, dedicate my life to you. I will go where you lead, always there in time of need, and when I loose my will you’ll be there to push me up the hill.

There’s no looking back for us, we got love sure enough. That’s enough. You’re all, all that I need to get by.”

Tradução livre: Com meus braços abertos, joguei fora o meu orgulho. Eu me sacrificarei por você, dedicarei a minha vida a você. Eu irei onde você indicar, sempre presente quando precisar, e quando eu perder a minha motivação e minha vontade, você estará lá para me empurrar montanha acima.

Não olharemos para trás, temos amor de sobra. Isso basta. Você é tudo, tudo que eu preciso para seguir em frente.

Dimitri Vieira

Sou um escritor e produtor de conteúdo, especializado em Escrita Criativa, Storytelling e LinkedIn para Marcas Pessoais. Minhas maiores paixões sempre foram a música, o cinema e a literatura. Escrevendo textos na internet, consegui unir o melhor desses três universos, e o que era um hobby acabou me transformando em LinkedIn Top Voice e, hoje, se tornou minha profissão.

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