Dimitri Vieira

Tudo em nome dos cliques: até que ponto vale se esforçar para atender as expectativas do seu público?

Em qualquer projeto que envolva criatividade e autenticidade, é um desafio entender até que ponto atender as expectativas do público. E se você me perguntar, não tem forma melhor de responder essa pergunta que a história de duas das maiores bandas de Punk Rock da história.
Tudo em nome dos cliques: até que ponto vale se esforçar para atender as expectativas do seu público?

Ao fazer a pergunta do título, quatro respostas costumam aparecer.

A primeira é que entender seu público-alvo, ou sua persona, é um dos pontos mais importantes e que sua estratégia de produção de conteúdo deve girar em torno dela.

Se um conteúdo não responde uma dor ou dúvida do seu público, ele não deveria existir.

No outro extremo, a segunda resposta sugere foco total na autenticidade e a persona que se resolva sozinha.

O terceiro caminho propõe uma mescla.

Publique bastante conteúdo, seja autêntico, faça testes e entenda aos poucos o que a sua audiência prefere consumir. A partir daí, você pode moldar sua linha editorial e atrair seu público.

Se a primeira solução sacrifica a autenticidade e a segunda parece um tiro no escuro, a terceira parece razoável. Porém, pode ser traiçoeira.

Como você sabe que encontrou a audiência certa e não apenas a mais fácil de se atingir? Ou ainda, como você garante não fugir da sua essência ao se preocupar tanto em entregar o que o seu público prefere consumir?

Por isso que a quarta resposta é o bom e velho depende.

Mas depende do quê?

Quando a autenticidade dá lugar a um plano de marketing

Certamente você já ouviu ou usou a expressão “tal artista se vendeu” referindo-se a alguém que mudou drasticamente de estilo em nome da fama, dos cliques ou das vendas.

Essa é basicamente a definição de um álbum comercial na música: quando a autenticidade dá lugar a um plano de marketing para colocar o artista no topo das paradas.

Se o plano funciona ou não, é outra história.

E para contrapor essa ideia de atender as expectativas da audiência a todo custo, não tem um gênero melhor do que o Punk.

Hoje, ele ficou marcado como um estilo mais rápido, agressivo, com poucos acordes e muitas vezes associado à política.

Porém, na sua origem, a essência do Punk tem a ver com não seguir as regras, defender o que você acredita e se manifestar sem esperar pelo momento perfeito. É subir no palco sabendo que você não está pronto.

Basta ver as bandas que tocavam no CBGB, o berço do Punk em Nova York, e você vai notar uma diferença musical gigantesca.

CBGB: o berço do Punk Rock

Wayne County, Blondie, Talking Heads, New York Dolls, Television, Patti Smith, Ramones e por aí vai.

Se fosse possível reunirmos todos os artistas que passaram por lá, certamente renderia um festival para atender todos os gostos possíveis.

Agora, se o festival precisasse de um headliner, a escolha é indiscutível.

A autenticidade como um gênero musical

Os Ramones lideraram uma verdadeira revolução na música. E uma revolução ao alcance de três acordes.

Não foi à toa que um misto de admiração e a sensação de “se esses caras conseguiram, eu também consigo” fez vários artistas — hoje consagrados — escolherem pegar uma guitarra pela primeira vez após vê-los em ação.

Ainda com a formação original da banda, Joey, Dee Dee, Johnny e Tommy lançaram seu primeiro disco em 1976.

Hoje, o disco se tornou um clássico.

Na época, não fez sucesso algum nos EUA. Mas, pelo menos, começou uma espécie de culto na Inglaterra, com os Ramones fazendo mais sucesso na Europa que em sua terra natal.

Com esse culto, além de novos músicos, os Ramones também despertaram a atenção de empresários.

Um deles é um nome que certamente será familiar para qualquer conhecedor do Punk britânico: Malcolm McLaren, dono de uma loja de roupas que tinha o nome de SEX.

Mas um detalhe que não ficou tão conhecido é que, primeiro, ele tentou influenciar o cenário americano.

Apostando na controvérsia para chamar atenção, Malcolm fez os New York Dolls — uma banda formada por homens que se apresentavam com trajes femininos — se posicionarem como comunistas.

O resultado foi um fracasso ainda maior que o primeiro álbum dos Ramones. Não é à toa que esse detalhe costuma passar despercebido na história da música.

Enquanto isso, os Ramones gravaram seu segundo disco — Leave Home, lançado em 1977.

E o resultado não foi diferente: mesma autenticidade, mesmo fracasso de vendas.

Só que, ainda no mesmo ano, os Ramones se preparavam para lançar seu terceiro disco e, dessa vez, eles estavam preparados para estourar.

Sua gravadora, Sire Records, havia feito um contrato de distribuição com a Warner e a expectativa era de que eles finalmente alcançariam a fama que tanto almejavam. 

Estavam prestes a se tornar um case de sucesso de uma banda que não se vendeu. Mas não foi tão simples assim.

Isso porque, após sua primeira investida na cena Punk terminar com o fim dos New York Dolls, Malcolm McLaren tentou novamente.

E dessa vez, a controvérsia surtiu efeito.

Sid Vicious e Johnny Rotten em ação pelos Sex Pistols

Anarquia (e ironia) no UK

Basta jogar o tema “maiores bandas de punk” numa roda de conversa que fatalmente o nome dos Sex Pistols vai surgir.

Mas, ao buscar pelo nome da banda no Spotify, no YouTube ou no Google, você não demora a notar que eles lançaram um único disco e têm em torno de apenas 10 músicas autorais.

Então, por que tanto sucesso?

Simples. É bem provável que, caso o Malcolm fosse da geração do Marketing Digital que vivemos hoje, ele viveria dando aulas sobre fórmula de lançamento.

Por mais que seus integrantes fossem autênticos, os Sex Pistols foram um verdadeiro plano de marketing elaborado por McLaren.

No final da década de 70, o cenário britânico era catastrófico. A economia ia mal, a taxa de desemprego era altíssima e boa parte dos jovens não tinham empregos, mas tinham raiva de sobra e opiniões fortes — principalmente contra a figura da rainha.

Diferente do fracasso com o New York Dolls, dessa vez, McLaren sabia que não bastava escolher a controvérsia certa com os integrantes errados.

Se ele queria uma banda cantando sobre anarquia, ele precisava de um vocalista que acreditasse nisso. Ou que cantasse com raiva o bastante para parecer acreditar.

O público, ele já tinha. O gênero musical, também. Faltava apenas o frontman certo, e foi aí que entrou John Lydon.

Seu teste para entrar para a banda resume bem o objetivo de McLaren:


“Fizemos um teste com ele na minha loja, quando o bar fechou. Ele precisava performar e cantar uma canção do Alice Cooper chamada Eighteen, e a cantou como o corcunda de Notre Dame.”

— Malcolm McLaren, em entrevista ao documentário The Filth And The Fury


Era a peça final que faltava.

John Lydon se tornou Johnny Rotten, por conta de seus dentes podres, e formou a banda com outros três rapazes que costumavam frequentar a loja de roupas de Malcolm.

Pois é. Uma das maiores bandas de punk da história começou como uma espécie de boy band para fazer propaganda de uma loja de roupas.

A autenticidade dos Ramones se tornou uma fórmula comercial nas mãos de Malcolm McLaren e o resultado foi estrondoso.

Para você ter uma ideia, uma das músicas mais famosas da banda começou a ser escrita com o verso “I am an antichrist” e somente fala sobre anarquia porque “anarchist” foi a rima encontrada por Rotten.

Também pertence aos Pistols um dos primeiros registros que se tem de um palavrão falado na televisão britânica, numa entrevista com Bill Grundy.

E outro marco na história da banda foi acusar a rainha Elizabeth II de fascista, em 1977, quando lançaram “God save the Queen” enquanto ela comemorava seu Jubileu de Prata — numa época em que ninguém ousava apontar o dedo para a família real.

Com polêmicas e controvérsias, os Sex Pistols construíram uma ascensão meteórica e, no fim dos anos 70, chegaram a se tornar a banda mais famosa do mundo.

Para completar a obra, a banda ainda trocou de baixista e Glen Matlock deu lugar a Sid Vicious — que mal sabia tocar baixo, mas era uma personificação ainda mais forte de toda a raiva, controvérsia e irreverência que os Pistols deveriam representar.

A explosão dos Sex Pistols e do Punk

Enquanto os Ramones se preparavam para lançar seu terceiro disco, Rocket to Russia — aquele mesmo que seria distribuído pela Warner —, os Sex Pistols lançaram seu primeiro: Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols.

Isso foi o suficiente para fazer a Warner repensar sua estratégia e promover o disco dos britânicos.

Logo, os Sex Pistols desembarcavam nos EUA para tocar para públicos bem maiores que os Ramones estavam acostumados a tocar em sua terra natal.

E se a ascensão da banda foi meteórica, o declínio aconteceu ainda mais rápido.

A turnê nos EUA terminou em janeiro de 78, com uma performance deprimente de No Fun e os dizeres finais de Johnny Rotten:

Ever get the feeling you’ve been cheated? Good night!

Já teve a sensação de ser enganado? Boa noite!

Essa não foi apenas a despedida da turnê americana, mas da banda. Logo depois do show, o fim dos Sex Pistols foi anunciado oficialmente.

Alguns meses mais tarde, em outubro de 78, a namorada de Sid Vicious — Nancy Spungen — foi encontrada morta, com uma facada no abdômen, e Vicious foi acusado do assassinato.

Nem deu tempo para o caso ir a julgamento, porque, em fevereiro de 79, o célebre baixista dos Sex Pistols morreu de overdose aos 21 anos.

Nancy Spungen, Sid Vicious e Dee Dee Ramone 

Essa foi a explosão dos Sex Pistols: após lançar seu primeiro disco, a banda não durou sequer 4 meses e, pouco mais de um ano após seu fim, o grande ícone da banda morria de forma trágica.

“Quando os Sex Pistols se separaram no início de janeiro de 1978, eles sugaram todo o ar da sala. Naquele momento, eles eram Punk Rock.

— John Holmstrom, co-fundador da Punk Magazine, em entrevista ao documentário Punk

E essa foi a explosão do Punk.

Se antes, era difícil para bandas como os Ramones alcançarem um espaço nas rádios e ter sucesso nas vendas de discos, agora ficaria ainda mais difícil.

No apagar das luzes, o que fica?

Após três discos apostando em seu estilo autêntico e sem emplacar nenhum sucesso de vendas, os Ramones decidiram apostar em um estilo mais comercial.

Com canções mais lentas e mais violões que qualquer disco anterior apresentava, Road to Ruin também não foi uma exceção à regra.

Se a autenticidade não foi a mesma, o fracasso de vendas foi.

Não adiantou investir num estilo mais comercial. Depois do trágico fim dos Sex Pistols, nenhuma rádio queria divulgar qualquer música relacionada ao universo Punk.

Na sequência, os Ramones lançaram um disco produzido pelo lendário Phil Spector: End of the Century. Desde a capa até a sonoridade das músicas, é o álbum da banda que menos tem a cara dos Ramones.

E advinha?

Foi o disco da banda que teve maior sucesso comercial, alcançando a posição 44 do Top 200 da Billboard. Por outro lado, é bem difícil encontrar um fã da banda que aponte este álbum como o seu favorito.

Felizmente, os Ramones seguiram gravando novas músicas, retomaram seu estilo autêntico e lançaram outros nove discos de estúdio.

Nunca repetiram o sucesso comercial de End of the Century e jamais estouraram da mesma forma que os Sex Pistols, mas influenciaram várias gerações de músicos.

Desde artistas que foram seus contemporâneos, como The Clash e os próprios Sex Pistols, até outros gigantes do rock, como Metallica, Guns n’ Roses e Pearl Jam.

E então, voltamos à pergunta inicial.

Até que ponto vale se adequar às expectativas do seu público?

Os britânicos do Sex Pistols acabaram fazendo justamente isso, estouraram, mas não duraram tanto tempo nos holofotes.

Uma versão mais comercial dos Ramones até alcançou um sucesso considerável, mas foi o estilo original que eles criaram que imortalizou a banda.

Ou seja, atender as expectativas do seu público a todo custo não é garantia de sucesso e ainda pode comprometer a longevidade de um projeto.

Por outro lado, a originalidade até favorece o tempo de vida de um projeto e, embora não garanta sucesso, uma coisa é certa: não há nada mais incrível e inspirador do que testemunhar o trabalho de alguém em sua essência.

Se olharmos o retorno que podemos ter, a conta fica mais simples.

Quando nos esforçamos para atender as expectativas de um potencial público a todo custo, na melhor das hipóteses, vamos conseguir atraí-lo. Na pior, não teremos nada.

Porém, se apostamos num projeto em que acreditamos e que nos representa, sempre teremos nosso trabalho — seja lá o que acontecer. E com o tempo, os resultados aparecem como consequência e lucro.

Quanto tempo, só a prática responde.

Porém, nem ao menos tentar para atender o que acreditamos ser as expectativas de um potencial público é a certeza de jamais termos essa resposta.

Então, a pergunta que fica é: você está disposto a vender sua originalidade e sua essência por uma “fórmula” que promete agradar ao público?

Vale mesmo tudo isso em nome dos cliques?


Referências e inspirações para o artigo

Dimitri Vieira

Sou um escritor e produtor de conteúdo, especializado em Escrita Criativa, Storytelling e LinkedIn para Marcas Pessoais. Minhas maiores paixões sempre foram a música, o cinema e a literatura. Escrevendo textos na internet, consegui unir o melhor desses três universos, e o que era um hobby acabou me transformando em LinkedIn Top Voice e, hoje, se tornou minha profissão.

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