Uma situação curiosa é o que aconteceu com o termo “guru” nos últimos anos.
Antes, era uma expressão de respeito, para se referir à alguém que aconselha e funciona como guia. Basicamente, um mentor, mestre ou líder influente e respeitado.
Não sei dizer exatamente o momento que isso mudou, mas se tornou um termo pejorativo e passou a ser comum encontrarmos pessoas explorando o termo para se diferenciar dos “gurus”.
Basta dizer que você não pratica, ou não ensina, guruzices, guruzismos e outras variações.
Ou criticar abertamente os tais gurus.
Um fato curioso é que quase todas as críticas que vejo nesse formato não se dão o menor trabalho de explicar quem estão criticando.
E um fenômeno mais curioso passou a acontecer.
Quem seriam os tão falados (e criticados) gurus?
No início da semana, fiz um experimento em meu perfil no Instagram com uma caixa de pergunta, para o pessoal responder: o que você entende por guru, guruzices, guruzismos?
Algumas pessoas chegaram a ser tão específicas a ponto de citar nomes de “grandes gurus do marketing digital”.
Alguns retornos foram relacionados ao sentido original, com conotação positiva, mas quase todas as respostas foram negativas.
Picaretagem e fórmulas genéricas foram tendências entre as respostas curtas.
Também houve quem elaborou mais e minhas três preferidas foram:
- Pessoa que se exibe como se estivesse falando algo novo, mas só copia conteúdo sem agregar nada da visão dele próprio. Não reflete sobre aquilo que já existe, só replica e repassa, porque o foco dele é mais a imagem que realmente ajudar outras pessoas;
- Aquelas dicas infalíveis para sair do absoluto zero e vender milhões em 7 dias, que faz tudo parecer simples, só para você comprar o curso;
- Guruzice é pejorativo. Me remete à mistificação do saber; venda de gato por lebre.
Para fechar, teve até sugestão de corrermos para as colinas: “se eu leio, corro. ‘100% online’ e ‘100% grátis’, também”.
Fiz questão de abrir a discussão com uma pergunta e deixar o pessoal falar, justamente para testar as sensações e experiências negativas que a palavrinha “guru” evoca.
(Se quiser conferir todas as respostas na íntegra, criei um destaque no meu perfil com o nome “guruzices?”)
Fazendo um compilado das respostas, o que seria o novo (e pejorativo) guru?
Diria que o termo nasce por conta de experiências ruins no ambiente online, através do consumo de conteúdo e, principalmente, com cursos online e infoprodutos.
Uma pessoa que se posiciona como especialista e entrega fórmulas prontas e conteúdos rasos, que transformam casos isolados e exceções em soluções universais. E, muitas vezes, trazem discursos e serviços desconectados da prática — quando ensinam algo que elas não praticam, ou dizem algo diferente do que fazem.
E advinha só o que passou a acontecer.
Se eu atacar seu guru antigo, posso tomar o lugar dele?
Uma palavrinha de quatro letras se tornou uma fórmula pronta para atacar fórmulas prontas.
Basta dizer “guru” e deixar que a pessoa do outro lado preencha com suas experiências negativas. Ou pior, atacar os gurus, genericamente mesmo, e deixar que o termo funcione como uma lacuna.
Um ataque a um inimigo comum que nem preciso conhecer. Basta entregar a fórmula e quem ler preenche a variável.
Em vez de entregar respostas prontas, deixa eu te perguntar: você acredita que usar fórmulas para atacar fórmulas é um discurso desconectado da prática?
No fim das contas, ao compartilhar suas ideias e impactar as pessoas, você se torna uma espécie de guru para elas — no sentido original da palavra.
Atacar guruzices se tornou uma forma de trilhar esse caminho: se todos os gurus são picaretas, posso ser seu novo guru?
E o ponto é: atacar fórmulas prontas e conteúdos rasos usando fórmulas prontas e conteúdos rasos não seria um discurso desconectado da prática?
Não seria uma forma de transformar casos isolados em regras universais?
Mas a conotação negativa de guru não nasceu para criticar esses comportamentos?
Então, o que acontece quando criticar guruzices se torna uma guruzice?
Atacar o inimigo comum se tornou um nicho
Escolha sua rede social preferida.
Escolha um fenômeno ou pessoa com muita visibilidade.
Prepare seu arsenal de pedras e ataque, incessantemente.
Até você conquistar seu espaço por lá.
O ataque ao inimigo comum deixou de ser um posicionamento para mostrar seu ponto de vista, para se tornar um nicho de conteúdo.
Atirar pedras virou uma estratégia para atrair outras pessoas que façam o mesmo e, com as pedras atiradas, construir palcos.
Ataque os gurus por tempo o bastante e, logo, você também será um guru.
Por isso, quando vejo expressões como “absoluto zero”, “100% online e 100% gratuito”, “guru” e “guruzice”, minha percepção é a mesma.
Fórmulas genéricas querendo me empurrar algo, mesmo sendo termos extremos, e com intuitos muito parecidos.
Com uma grande diferença: somente os ataques aos gurus apelam para a polarização para promover uma imagem ou um serviço.
Apesar das inúmeras críticas e sensações negativas que o pessoal descreveu, incentivar pontos de vista extremos para se favorecer não apareceu entre as características do tal guru.
E como entregar respostas prontas é a última coisa que quero com esse texto, não tenho a menor pretensão de fechar dizendo que você “não deve criticar gurus”.
Em vez de escolher um lado, bater o martelo e ditar regras, prefiro perguntar: precisamos mesmo de tanta polarização?
Entre o 8 e o 80, por que não o meio-termo?