Dimitri Vieira

Parasita: o que tem de tão diferente no filme que fez história no Oscar 2020?

Parasita é uma experiência única: divertido, engraçado, perturbador e inesquecível. Digno de todos os prêmios que recebeu, ele fez história no Oscar 2020, é tudo o que você ouviu falar sobre o filme e um pouco mais.
Parasita: o que tem de tão diferente no filme que fez história no Oscar 2020?

Quando comecei a escrever este texto no domingo, a cerimônia do Oscar ainda não tinha acontecido. Meu objetivo final com o artigo era pontuar que a Academia ainda não estava preparada para reconhecer um filme como Parasita e te convidar para assistir, pela incrível experiência que ele proporciona.

Quebrei a cara, mas por um belo motivo. Foi um daqueles momentos em que faz bem estar errado. Além da premiação ter facilitado consideravelmente meu trabalho de “vender” o filme por aqui.

O grande vencedor do Oscar 2020 — que levou para casa os prêmios de melhor filme, roteiro original, filme internacional e direção — é um filme daqueles que não saem da sua cabeça tão fácil.

Se você me perguntar, Parasita está facilmente entre os melhores filmes da década, acompanhado por Coringa. Não à toa, também escrevi sobre ele por aqui.

Como assisti ao filme sul-coreano no último sábado, ainda estou de certa forma em estado de choque processando os acontecimentos. E a melhor forma de fazê-lo é colocando as ideias no papel — pelo menos é o que funciona para mim.

A sinopse do grande vencedor do Oscar 2020 é bem simples:

“Toda a família de Kim Ki-woo está desempregada, vivendo em um porão sujo e apertado, mas uma obra do acaso faz com que ele comece a dar aulas de inglês à Park Da-hye, filha de uma família bem rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, toda a família bola um plano para se infiltrar também na família Park. No entanto, os segredos e mentiras necessários à ascensão social custam caro a todos.”

O segredo está na linda construção da trama e como cada elemento do filme é trabalhado de forma planejada. Tudo o que vemos na tela tem um sentido para estar ali, ou mesmo um forte simbolismo.

Confesso que precisei me conter para evitar spoilers neste texto e preservar sua experiência com o filme, caso ainda não tenha visto.

A vontade era dissecar a obra inteiro, mas, para não estragar sua experiência, faremos isso apenas com a introdução.

O começo no subsolo

Todo grande filme traz uma abertura marcante e aqui não é diferente. Logo na primeira sequência, o diretor Bong Joon-ho mostra alguns componentes que serão fortes temas no filme.

A primeira imagem que vemos, ainda com os créditos iniciais aparecendo, é de uma pequena janela.

Em seguida — com o movimento da câmera — mergulhamos no subsolo e somos apresentados ao protagonista, Kim Ki-woo, em sua residência.

Nesses poucos segundos, sabemos que ele mora em um semi-porão. Um tipo de residência comum na Coreia do Sul, característico por ser metade acima do solo e metade abaixo. Kim Ki-woo e sua família estão sempre em uma posição inferior, sendo forçados a olhar para cima para ter um pequeno vislumbre do que é estar acima do solo.

Enquanto o protagonista procura pelo ponto da casa onde é possível usar o wi-fi do vizinho, somos apresentados à sua irmã mais nova, sua mãe e seu pai.

Ki-woo encontra um ponto de acesso à internet no local mais elevado da casa: bem ao lado da privada — uma pequena amostra do simbolismo que a água terá no filme.

Logo depois, vemos que a família Kim se sustentava à base de subempregos que estavam a seu alcance, como dobrar caixas de pizza.

Após receber o pagamento, eles se reúnem para jantar e comemorar o telefone reinstalado, agora que conseguiram pagar a conta, quando o pai anuncia “olha aquele desgraçado de novo”. Um bêbado se aproximava da janela do sub-porão para urinar.

Novamente, temos um indício do simbolismo da água.


“Neste filme, a água (incluindo a urina) representa infortúnio e desastre. Infelizmente, a água sempre flui de cima para baixo, nunca o contrário. A água flui do bairro rico para o bairro pobre. Esse é um elemento realmente trágico deste filme.

Bong Joon-ho


Alegorias e simbolismos muito bem construídos

Quando ouço dizer que um filme é bom pelo seu simbolismo, já desenvolvo uma certa desconfiança.

Na minha opinião, um bom filme simbólico precisa funcionar dentro da alegoria criada e também no sentido literal. Se faz sentido apenas no campo virtual ou exige uma pesquisa ao final para entendê-lo, ele já perde alguns pontos comigo.

Com Parasita, não é o caso. O filme funciona perfeitamente sem os simbolismos, mas fica ainda mais rico com eles. E por mais que não sejam tão simples, a construção é tão fluida e bem feita, que eles acabam surgindo naturalmente.

A água é o melhor exemplo para evitar spoilers, mas fique de olho nas escadas e rampas que elas também são muito mais que estruturas físicas em Parasita.

Agora, como a construção é tão bem feita?

Pistas, recompensas e armas escondidas

Existe um artifício narrativo chamado Arma de Checkhov:


“Se uma arma está pendurada na parede no primeiro ato, no próximo, ela deve ser disparada. Caso contrário, nem a pendure lá.”

— Anton Checkhov


Basicamente, essa ideia de esconder a arma pode ser aplicada de duas maneiras.

A primeira e mais simples é levá-la ao pé da letra. Você apresenta algo de forma desinteressada, como quem não quer nada. Depois que o interlocutor já se esqueceu desse elemento, ele é resgatado para contribuir com a resolução da trama.

A segunda — e mais complexa — é trazer um sentido para tudo o que aparece na tela e nos diálogos. Além de usar falas e elementos simples para dar pistas do que está por vir.

Parasita trabalha das duas formas, principalmente da segunda. Toda vez que uma personagem sugere que algo vai acontecer, pode ter certeza, é um indício do que está por vir.

E assim, quando a recompensa chega, em forma de uma quebra de expectativa ou de uma surpresa, ela acontece de forma natural e não prejudica o andamento do roteiro.

Transição entre diversos gêneros

Graças à essa naturalidade, o filme transita entre inúmeros gêneros com enorme facilidade. 

Nas primeiras cenas no semi-porão, Parasita dá indícios que seria um drama familiar. Depois entra na comédia, enquanto a família Kim encaixa uma série de falcatruas para se infiltrar como trabalhadores na casa dos Park.

Quando finalmente estão infiltrados, temos uma nova virada com um crescimento constante da tensão.

Para o suspense.

Para o thriller.

E ainda com elementos de terror.

Críticas sociais e a batalha entre classes

O que também acompanha a tensão crescendo aos poucos são as críticas sociais.

Elas começam bem sutis e mais focadas no conflito entre pobres e ricos. Mas não param por aí.

“O que realmente diferencia este filme de outros que lidam com ricos e pobres é que você raramente vê os pobres brigando entre si. É algo triste, mas também engraçado e tolo ao mesmo tempo.”

Bong Joon-ho

Nos momentos em que a tensão cresce, Bong Joon-ho transita entre gêneros e usa principalmente a comédia para inserir temas como a disputa e a desigualdade entre classes.

Assim, Parasita pega o público desprevenido para discutir temas que as pessoas não estão tão dispostas a discutir abertamente no dia a dia. E o melhor, faz isso sem tomar partido.


“Se o filme for um teste de Rorschach de quem você identifica como parasita e hospedeiro, é um teste em que você provavelmente vai falhar.”

Leah Greenblatt

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Ainda que seja mais simples enxergarmos a família Kim como os parasitas da trama, uma vez que tudo começa com eles se infiltrando na casa e na vida dos Parks. Da mesma forma que um parasita faz com seu hospedeiro.

Porém, como o próprio diretor afirma:


“Em termos de trabalho, os ricos podem ser considerados parasitas. Eles agem como sanguessugas e se aproveitam do trabalho de outras pessoas para tudo, desde dirigir até tarefas domésticas. Embora paguem em dinheiro, vivem do trabalho de outras pessoas.

Bong Joon-ho


A tensão segue crescendo e te deixa atormentado para acompanhar o desfecho de toda a história. E quando esse desfecho finalmente chega, ele faz jus a todo o filme.

A cena final é um espetáculo à parte. Um último tapa na cara caprichado, dado com o mesmo carinho e cuidado usados em todo o roteiro.

E assim, Parasita é tudo o que você ouviu sobre o filme até agora e um pouco mais. Digno de todos os prêmios que recebeu, ele proporciona uma experiência única.

Divertido. Engraçado. Perturbador. Inesquecível.

Quando os créditos tomam a tela preta e retomamos a realidade, vem o choque do quanto toda a trama é surreal — e ao mesmo tempo, real. Por mais bizarra que ela seja, o desfecho deixa escancarado que bizarro mesmo é a realidade.

Essa é a parte mais assustadora. 

Notas finais

Como mencionei na introdução, comecei a escrever este antes do Oscar e não acreditava que Parasita levaria o Melhor Filme. Havia apostado minhas fichas em 1917, junto da maioria das críticas e reviews, e acabei quebrando a cara hehe.

Então, precisei fazer alguns ajustes — principalmente na conclusão.

Em vez de criticar, vale parabenizar a Academia pelo feito inédito. É um forte indício de que o Oscar está deixando de seguir os mesmos padrões de sempre e a vitória de Parasita pode tranquilamente se tornar um marco na história.

Parabéns também ao Bong Joon-ho pelo incrível feito. E muito obrigado por ter aberto meus olhos para o cinema coreano. A partir de hoje, certamente prestarei mais atenção nos próximos trabalhos do diretor e seus conterrâneos.

Dimitri Vieira

Sou um escritor e produtor de conteúdo, especializado em Escrita Criativa, Storytelling e LinkedIn para Marcas Pessoais. Minhas maiores paixões sempre foram a música, o cinema e a literatura. Escrevendo textos na internet, consegui unir o melhor desses três universos, e o que era um hobby acabou me transformando em LinkedIn Top Voice e, hoje, se tornou minha profissão.

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