No meu último artigo, falei sobre mudar de carreira e comentei em dois momentos sobre livros. Disse que eles podem ser fundamentais para te ajudar a resgatar seu propósito e sua motivação. E falei também que você nunca sabe quando vai abrir um livro que irá mudar sua vida.
Por isso, decidi falar sobre esse tema hoje e adianto que não consigo escolher uma única obra. Então, vou falar de duas que, embora não tenham nenhuma relação literária ou histórica, acabaram tendo enorme conexão para mim. E já te conto o motivo:
O primeiro livro acabou sendo o empurrão (quase) final para uma mudança que queria promover em minha vida. Enquanto o segundo foi crucial para recuperar o propósito e minha motivação na época em que o li.
E tenho certeza que você já conhece a história do primeiro:
Na Natureza Selvagem
Até hoje, não consegui me decidir sobre aquele velho dilema de quem é melhor: o filme ou o livro. E olha que, nesse caso, a obra cinematográfica tem uma vantagem quase desleal: a trilha sonora.
Quando abri a primeira página de Na Natureza Selvagem, estava chegando em um dos períodos mais difíceis da Engenharia Elétrica e, na época, cogitava a ideia de mudar de curso e tentar Direito.
Ao virar a última página e fechar o livro, tive certeza que essa ideia era o caminho certo a percorrer. Cheguei a trancar algumas matérias e estava decidido a prestar vestibular novamente.
Ou seja, se tem algo em sua vida que você quer mudar, a história de Christopher McCandless pode facilmente ser o empurrão final que falta.
Divulgada para o mundo pela obra literária de Jon Krakauer e pelo filme dirigido por Sean Penn, a forma como o protagonista rompe com o status quo tocou e inspirou muita gente.
Fez com que muitas pessoas repensassem seus trabalhos, suas formações acadêmicas, lessem e viajassem mais. Eu não fui exceção. E não apenas por quase ter mudado de curso por influência da obra.
Mais do que isso, ele foi o livro que me inspirou a criar um hábito de leitura. Antes de 2012, eu lia muito pouco e não fazia a menor questão.
Mas quando vi a forma como McCandless era capaz de citar autores como Tolstói e Thoreau como se estivesse jogando conversa fora, decidi que queria ser capaz de fazer o mesmo.
Desde então, a leitura se tornou não apenas um hábito, mas uma necessidade. Ainda não consigo lembrar tantas citações de cabeça, como o nosso saudoso amigo Chris, mas tenho um caderno para me ajudar com isso.
E adivinha qual foi o livro que inaugurou meu caderno de citações?
(Atenção para o segundo, pois já falei dele no LinkedIn em outro artigo!)
Não vou me aprofundar em detalhes da história, pois tenho quase certeza que você já a conhece muito bem. E se ainda não conhece, vou te dar uma nova oportunidade de corrigir isso por si mesmo e não te darei nenhum spoiler.
“A essência do espírito humano é sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências e, portanto, não há alegria maior que ter um horizonte sempre cambiante, cada dia com um novo e diferente sol (Christopher McCandless).”
Uma outra forma de fazer a introdução deste artigo seria:
O primeiro livro me levou a ter e a inaugurar um caderno de citações. Enquanto o segundo me rendeu 17 páginas de anotações, além de ser o livro mais influente nos EUA depois da Bíblia:
A Revolta de Atlas
Quando terminei de ler sobre a história de McCandless, tranquei algumas disciplinas na faculdade e tive um semestre quase sabático para definir se mudaria ou não de curso.
Nesse período, uma das coisas que mais fiz foi ler. E um dos livros que tive a felicidade de ler foi A Revolta de Atlas, de Ayn Rand.
Se a obra de Jon Krakauer me fez dar como certa a mudança de curso, a de Rand me possibilitou re-organizar as ideias em minha cabeça, retomar os trilhos e foi responsável por moldar meu perfil profissional e, principalmente, meu caráter.
” Uma mentira é um ato de auto-abdicação, porque quem mente entrega sua realidade à pessoa para quem a mentira se dirige, tornando-se servo daquele indivíduo e ficando condenado dali em diante a falsear a realidade tal qual ele exige. (Ayn Rand)”
A Revolta de Atlas costuma ser muito falada por seu aspecto socioeconômico, mas o lado filosófico — que foi o que achei mais interessante — acaba ficando de lado.
Antes de aprofundarmos nisso, farei uma breve sinopse caso não conheça o romance:
Atlas mitologicamente é aquele que sustenta o mundo. E quem carrega o mundo — para Rand —, nos dias atuais e na obra, são os grandes inovadores. Aqueles que fazem a diferença em todos os campos, desde a indústria e a medicina até a literatura e a música.
Partindo dessa analogia, a história se passa numa América fictícia, futura e em decadência. Com forças políticas no poder que se dedicam em impor empecilhos aos poucos homens e mulheres que ainda tentam lutar para salvar o país do colapso.
Um dos grandes inovadores acaba personificando Atlas um pouco mais que os outros. E, quando ele decide que iria “parar o motor do mundo”, surge a greve idealizada por Rand e protagonizada pelos maiores artistas, pensadores e industrialistas que o mundo conhecia.
Com esse ponto de partida, Rand nos dá verdadeiras aulas de filosofia por meio de um romance fictício. E um dos principais alvos de crítica da autora é o altruísmo, preferindo até mesmo defender o egoísmo, ou melhor, o objetivismo.
Objetivismo VS Altruísmo
Objetivismo é um código moral criado pela autora, antes dito impossível. Uma moralidade que não é baseada em fé, caprichos arbitrários, emoções ou nada místico, mas na razão.
Como a mente é o meio básico de sobrevivência humana, ela defende que, para sobreviver e viver como um ser humano, devemos ter a razão como nosso único guia para agir. E devemos viver conforme o julgamento independente de nossas próprias mentes.
” Todas as espécies de seres ensinam a seus filhotes a arte da sobrevivência — os gatos ensinam os gatinhos a caçar, as aves se esforçam para fazer com que seus filhotes aprendam a voar —, e no entanto o homem, cuja sobrevivência depende da mente, não apenas não ensina seus filhos a pensar, como também dá a eles uma educação que visa destruir seus cérebros, convencê-los de que o pensamento é fútil e malévolo, antes mesmo que eles comecem a pensar.”
“Os homens ficariam horrorizados se vissem uma ave fêmea arrancando as penas do filhote e depois o empurrando para fora do ninho para que ele lutasse pela sobrevivência — porém era isso que eles faziam com os filhos. (Ayn Rand)”
Além disso, nosso maior propósito é alcançar a própria felicidade. E devemos viver como um fim em nós mesmos, sempre seguindo nosso interesse racional, de forma a viver conforme nossa própria causa.
Portanto, a autora defende o egoísmo como auto-estima e como acreditar em si mesmo, afirmando que temos direito à felicidade e devemos alcançá-la nós mesmos. Mas jamais devemos exigir que outras pessoas abram mão de suas vidas para nos fazer feliz. E nem devemos desejar nos sacrificar pela felicidade de outros.
“Que riqueza é maior que ser o dono da própria vida e empenhá-la no crescimento? Toda coisa viva precisa crescer. Não pode parar. Ou cresce ou morre. (Ayn Rand)”
Mais do que isso, Rand apoia o conceito de que o altruísmo é maléfico. E é exatamente esse o motivo das principais polêmicas enfrentadas por ela em sua carreira.
Porque a ideia de que devemos servir e nos sacrificar é uma crença extremamente comum na sociedade e enraizada na filosofia de várias instituições, desde o governo até a igreja.
Assim, ela foi capaz de incomodar pessoas extremamente influentes e era frequentemente indagada sobre temas complexos, como política, religião e amor.
Por exemplo, ela defendia que todos os negócios devem ter seus próprios termos e sua própria moeda. No amor, a moeda é a virtude. Você ama as pessoas não pelo que faz por elas, ou pelo que fazem por você, mas pelas suas virtudes.
E deixando os temas polêmicos de lado, a escritora é capaz de um trabalho fenomenal no aspecto filosófico e motivacional:
Por que Ayn Rand é capaz de mudar sua vida?
Ao contrário dos clássicos protagonistas da grande maioria das obras literárias — que estão sempre dispostos a se sacrificar pelos seus pares românticos — os heróis de Rand são ambiciosos, capitalistas, extremamente racionais e buscam sucesso e lucro. Sem remorso algum.
Pessoas com essas características costumam ser rotuladas como egoístas e gananciosas e, por isso, acabam assumindo o papel de vilão. Mas não em A Revolta de Atlas.
Temos Dagny Taggart, que é uma executiva disposta a arriscar tudo conforme seu próprio julgamento, para tocar com sucesso as ferrovias de sua empresa.
E Hank Rearden, um industrialista que cria um novo metal mais barato, seguro e resistente, além de ter mais aplicações que qualquer outro no mercado.
Na trama, o Estado tenta proibir que esse metal de Rearden chegue ao mercado. Após comprovada a sua eficácia, tentam comprá-lo para que se torne propriedade estatal, sob a alegação de que uma única pessoa lucrar com suas vendas configura monopólio e deveria ser ilegal, em nome do bem público.
Não vou entregar muito mais sobre a história, mas Hank Rearden chega a ser levado aos tribunais por esse motivo.
Assim, Rand nos ensina que:
- não devemos sentir culpa frente a demandas irracionais;
- devemos defender nosso próprio interesse e felicidade, sem nos importarmos com a opinião pública, ainda que resulte em ser mal visto por nos recusarmos a nos sacrificar;
- atacar alguém, não por suas falhas, mas por suas virtudes é o ato mais imoral que alguém pode praticar.
Para Rand, ser bem-sucedido em qualquer área de atividade racional é uma enorme virtude. E o maior mal é ser atacado por exercer suas habilidades, pela sua ambição e pelo seu trabalho árduo, tentando fazer com que você ainda se sinta culpado por isso.
O ódio do bom, por ser bom, é o que ela define como Era da Inveja.
“Tenta-se fazer com que humano signifique fraqueza, estupidez, vadiagem, mentira, fracasso, covardia e fraude e se pretende exilar da história humana o herói, o pensador, o produtor, o inventor, o forte, o decidido, o puro – como se ‘sentir’ fosse humano, mas pensar não fosse; como se o fracasso e não o êxito fosse humano; como se a corrupção, não a virtude fosse humana. (Ayn Rand)”
Com seus personagens pouco usuais e os desafios enfrentados por eles na obra, a autora nos desafia a pensar e nos leva a reflexões como:
- Devo buscar uma carreira de sucesso para fazer dinheiro, ou para ter algo para retribuir à sociedade?
- Devo me tornar um médico para ter a obrigação de ajudar aos necessitados, ou porque amo a área e tenho excelentes habilidades para tratar os pacientes dispostos a me pagar?
- Devo me sentir orgulhoso pelo dinheiro que ganhei, ou devo me sentir culpado porque outros ganham menos?
- Devo aceitar uma moral vinda de uma doutrina religiosa? Ou existem outras maneiras de eu discernir o certo do errado?
Por meio da história, ela nos apresenta todas suas ideologias da forma mais explanada e convincente possível. Mostrando-nos, por exemplo, que Rearden deve ter o direito de vender seu metal por qualquer preço que os compradores estejam dispostos a pagar.
Afinal, trata-se de sua propriedade, com origem em seu esforço criativo e racional. Assim, nenhuma pessoa teria direito a reivindicá-lo, nem mesmo o Estado.
“O não pensar é um ato de aniquilamento, um desejo de negar a existência, uma tentativa de apagar a realidade. Porém a existência existe; a realidade não se deixa apagar, mas acaba apagando aquele que deseja apagá-la. Quem se recusa a dizer ‘É’ se recusa a dizer ‘Sou’. Quem não utiliza seu discernimento nega a si próprio. O homem que afirma ‘Quem sou eu para saber?’ está afirmando: ‘Quem sou eu para viver?’ (Ayn Rand)”
Ayn Rand escreve sobre pessoas que agem conforme seus próprios julgamentos e que são obrigadas a descobrir as respostas por si próprias. Assim como nós também devemos fazê-lo em nossas vidas.
Apresentando todos os seus conceitos e ideologias por meio do romance, ela é capaz de nos inspirar com sua filosofia. De forma que entendemos o seu sentido e, imediatamente, passamos a aplicá-la em nossas vidas.
Esse é o motivo pelo qual A Revolta de Atlas continua impactando a vida de tantas pessoas, mesmo após 60 anos de seu lançamento.
“Observem a persistência, nas mitologias, da lenda de um paraíso que os homens possuíram certa vez, a cidade de Atlântida ou o Jardim do Éden ou algum reino da perfeição, sempre no passado. A raiz dessa lenda se encontra não no passado da espécie, mas no de cada homem. Vocês ainda guardam uma vaga ideia — não nítida como uma lembrança e sim difusa, como a dor de uma saudade sem esperanças — de que em algum momento da sua primeira infância, antes de aprenderem a se submeter, a absorver o terror do irracional e questionar o valor da sua mente, conheceram um estado radiante de existência, a independência de uma consciência racional encarando um universo aberto. Esse é o paraíso que vocês perderam e que buscam — e que pode ser seu quando quiserem. (Ayn Rand)”
E retomando o título: qual foi o livro que mudou a sua vida?