Storytelling – Dimitri Vieira https://dimitrivieira.com Escrita Criativa, Storytelling e LinkedIn para Marcas Pessoais Sun, 28 May 2023 16:28:31 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.6.1 https://dimitrivieira.com/wp-content/uploads/2022/05/cropped-Frame-9-1-80x80.png Storytelling – Dimitri Vieira https://dimitrivieira.com 32 32 Como criar o Conflito Perfeito para uma história? https://dimitrivieira.com/como-criar-o-conflito-perfeito/ https://dimitrivieira.com/como-criar-o-conflito-perfeito/#respond Sun, 28 May 2023 16:04:41 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=9238 No último fim de semana, decidi rever o filme CODA, batizado de “No Ritmo do Coração” aqui no Brasil e vencedor do Oscar de melhor filme no ano de 2022.

O vencedor do Oscar teve seu roteiro adaptado de uma comédia dramática francesa de 2014, “A Família Bélier” e concorreu com “Belfast”, “Drive My Car”, “Ataque dos Cães, Licorice Pizza” e outros.

Confesso, não era meu favorito da lista.

Isso porque é um filme mais simples e com alguns clichês, sem um toque tão inovador assim, sem grandes reviravoltas e sem pirotecnias.

Talvez por influência do “Meu Pai” e “Parasita”, que foram destaques nos anos anteriores, “No Ritmo do Coração” não me pareceu um filme digno de Oscar em um primeiro momento.

Mas preciso te dizer que ganhou vários pontos comigo nesse último fim de semana.

Nessa simplicidade dele, alguns toques ajudaram a construir o conflito perfeito e, desse conflito, nasceram algumas cenas que são um espetáculo à parte no filme.

Essas cenas isoladas bateriam vários dos concorrentes na lista de potenciais melhores filmes.

Já vamos falar sobre elas por aqui, mas vale relembrarmos antes:

Como construir o conflito perfeito

No maravilhoso livro “Story”, do Robert McKee, o conflito é dividido em basicamente três níveis.

De forma bem resumida:

  1. Conflito interno: desafios e lutas pessoais;
  2. Conflito externo: enfrentando situações exteriores ao personagem e, talvez, um antagonista;
  3. Conflito extra-pessoal: contra entidades e situações injustas, que ferem a ordem natural e podem trazer um tom filosófico à história.

Uma história que segue a Jornada do Herói como um checklist, por exemplo, corre o risco de trazer apenas um conflito externo — com o protagonista vivendo simplesmente uma jornada externa.

Nesse caso, os três atos da história acabam reduzidos meramente a início, meio e fim; o arco do personagem principal é completamente ignorado e não há transformação alguma.

Sem essa transformação, temos uma espécie de Jornada Estática: um protagonista imutável que chega no último ato exatamente como começou e, portanto, é incapaz de inspirar qualquer mudança por parte do público.

Quando temos um conflito interno e um externo, melhoramos um pouco mais os ingredientes para uma boa história.

Mas é adição do conflito extra-pessoal que, geralmente, leva a trama para outro nível. Como já vamos ver, você pode encontrar os três níveis em “No Ritmo do Coração”.

O conflito precisa ser personalizado (para o protagonista e para o contexto)

Discutir qual vem primeiro (contexto, protagonista ou conflito) seria entrar numa discussão de ovo ou galinha.

O ponto é: quanto mais esses elementos conversam, mais específica e mais forte será sua história.

Vamos supor que a personagem principal tem o grande sonho de investir numa carreira musical como cantora.

Se ela tiver pais artistas que a apoiem e um professor disposto a treiná-la nas horas vagas? Fim da história.

Ela terá todo o suporte possível logo de cara e duvido que uma trama assim te segure na cadeira por 2 horas.

Se ela tiver pais conservadores que não apoiariam uma carreira artística, melhora bastante.

É o caso do clássico “Billy Elliot”: filho de um mineiro, ele quer aprender a dançar balé, mas seu pai é do tipo que somente aceita seu filho lutando boxe — até vê-lo dançar.

Mas e se o pai não pudesse vê-lo dançar?

E se, além disso, a família dependesse dele a ponto de comprometer uma possível vida longe da família?

No Ritmo do Coração

O filme conta a história de Ruby, a única pessoa de sua família que consegue escutar. Seu pai, sua mãe e seu irmão são surdos não oralizados. Então, ela cresce atuando como intérprete da família e, em várias situações, desde novinha, ela precisa cuidar dos seus pais quando o natural seria o contrário.

Seu grande sonho é ser cantora e fazer faculdade de música em outra cidade. Mas, por mais que ela tenha um professor disposto a ajudá-la, sua família não consegue entender esse sonho tão fácil. Numa cena, sua mãe chega a lhe perguntar “se eu fosse cega, seu sonho seria ser pintora?”.

Além da dificuldade de compreender, tem a questão da dependência: quando sua família decide investir num negócio de pesca, então, Ruby se torna ainda mais necessária para intermediar a comunicação.

E tem a questão de tempo: como lidar com o ensino médio, as questões da adolescência e ainda correr atrás de um sonho com tantas responsabilidades nas costas?

Pronto. Conflitos internos, externos e extra-pessoais checados e marcados em negrito — logo na sinopse.

Mas o ponto-chave de tudo é: como Ruby poderia convencer seus pais a apostarem em seu sonho e abrir mão da presença da filha no dia a dia — se eles sequer conseguem ouvi-la cantar?

Depois de criar, como resolver o conflito?

A resposta, como não poderia ser diferente, vem da música. Mas não de uma forma tão óbvia assim.

Primeiro, seus pais e irmão comparecem em um show de talentos de sua escola para vê-la cantar. Numa transição genial, a cena tem o áudio cortado para nos colocar no lugar da família e fica bem mais difícil acreditar no dom de Ruby assim. [veja aqui]

Depois, seu pai, Frank, lhe pergunta sobre o que era a música que ela cantou.

Ela diz que é sobre amar e depender de alguém, e ele pede que sua filha cante a música novamente — à capella mesmo, com os dois sentados na traseira da caminhonete sob as estrelas.

Naquele momento, Frank tenta entender a paixão da sua filha, se ela é mesmo boa ou não e, principalmente, se ele a deixa partir para apostar na música.

Seu pai coloca a mão em seu pescoço para testemunhar melhor ela cantando e, então, acompanhamos toda a evolução em seu rosto.

Da estranheza da incapacidade de entender, à surpresa de contemplar algo inacreditável, à ternura com toques de orgulho, amor e tristeza do pai que, agora, confia no sonho da família. Mas sabe que isso significa ter que deixá-la ir embora.

Pouco mais de um minuto para solucionar o conflito perfeito, numa cena que vale mais que vários filmes inteiros.

E a letra de “You’re all I need to get by” é a cereja do bolo pra fechar, com perfeição, uma cena digna de Oscar e de ficar marcada muito tempo na memória de quem assiste ao filme.


“With my arms open wide, I threw away my pride. I’ll sacrifice for you, dedicate my life to you. I will go where you lead, always there in time of need, and when I loose my will you’ll be there to push me up the hill.

There’s no looking back for us, we got love sure enough. That’s enough. You’re all, all that I need to get by.”

Tradução livre: Com meus braços abertos, joguei fora o meu orgulho. Eu me sacrificarei por você, dedicarei a minha vida a você. Eu irei onde você indicar, sempre presente quando precisar, e quando eu perder a minha motivação e minha vontade, você estará lá para me empurrar montanha acima.

Não olharemos para trás, temos amor de sobra. Isso basta. Você é tudo, tudo que eu preciso para seguir em frente.

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Suas histórias, sua marca: como narrativas pessoais fortalecem sua imagem e seu nome https://dimitrivieira.com/suas-historias-sua-marca/ https://dimitrivieira.com/suas-historias-sua-marca/#respond Mon, 22 May 2023 09:18:05 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=9178 Algumas dúvidas que mais costumo escutar quando o assunto é construção de marca pessoal são sobre como separar a vida profissional e a vida pessoal, e até que ponto faz sentido compartilhar vulnerabilidades e intimidades.

Parte dessas dúvidas nascem porque é comum uma transferência da abordagem clássica de construção de marca de empresas para pessoas.

Apesar de algumas etapas fazerem sentido para os dois cenários, existe uma diferença muito grande também.

No caso de uma empresa, existem alguns atributos que precisam ser construídos e moldados conforme o que a marca deseja transmitir, como o tom de voz.

No caso da marca pessoal, a maioria dos atributos já existe. É uma questão de escavá-los e entender a melhor maneira para trazê-los à tona, porque será a partir desses atributos que a marca se forma numa estratégia de posicionamento.

Nisso, a distinção entre vida pessoal e vida profissional pode se tornar um obstáculo.

Claro que ninguém deveria se obrigar a compartilhar tudo o que vive nas redes sociais, mas, quando existem muitas restrições para separar a vida pessoal da profissional, a construção da marca costuma ser bem mais difícil.

Então, um bom ponto de partida é entender que você pode, sim, colocar limites no que deseja ou não compartilhar. Mas entenda também que não deve existir essa separação entre profissional e pessoal.

Um exemplo que gosto para facilitar o entendimento disso é pensar que você acabou de dar uma palestra e quer comemorar esse momento. Essa comemoração seria profissional ou pessoal? Difícil bater o martelo, não é?

Deixando essa separação de lado, vale reforçar que, em qualquer estratégia de construção de marca, uma das ferramentas mais importantes são as histórias.

Pode analisar.

Se uma empresa tem uma cultura forte e bem consolidada, pode ter certeza que seus colaboradores, clientes e admiradores conhecem alguma, ou algumas, das principais histórias — seja da sua origem, dos fundadores, ou de alguns clientes e cases de sucesso famosos.

Agora, costuma ser bem mais difícil pensar e catalogar as principais narrativas de uma empresa do que as de uma pessoa.

Se você fizer um exercício de pensar nas histórias e momentos mais importantes da sua vida, que você costuma contar com maior frequência e nos mais variados ambientes, tenho certeza que consegue listar várias em poucos minutos.

Se a cultura de uma empresa se fortalece dessa forma, o mesmo pode acontecer com sua marca. Quando as pessoas passam a conhecer e se lembrar de histórias específicas que você viveu, pode ter certeza que seu impacto e alcance foram bem longe.


Um homem conta as suas histórias tantas vezes que ele se torna suas histórias. Elas continuam vivas após ele partir e, dessa forma, ele se torna imortal.“

— Frase do filme Peixe Grande


E não precisa de uma produção hollywodiana para isso não.

Algumas narrativas que você pode explorar nessa estratégia são:

Viradas de chave

Esse é o exemplo mais clássico, que costuma aparecer com alguns nomes variados (ponto de virada, incidente incitante), e a ideia é captar momentos específicos que marcaram sua vida de uma forma que, depois deles, sua percepção sobre algo mudou drasticamente.

Esse tipo de história costuma chamar a atenção de várias pessoas que se identificam e também de pessoas que podem se atentar a essa percepção graças ao seu relato.

Exemplo mais pessoal: Você pratica o que diz? (ou “por que comecei a fazer terapia”)

Exemplo mais profissional: Quando minha vida se tornou uma vasta página em branco — e como isso me levou à lista dos Top Voices.

Demonstrações de suas Crenças e Valores

Crenças e Valores são alguns dos atributos mais importantes de uma marca, pessoal ou empresarial.

E um detalhe importante é que, por mais que você anuncie e grite para o mundo que você acredita em algo específico, nada será mais convincente e marcante que mostrar aquilo na prática a partir de experiências que você viveu, ou está vivendo.

📝 Exemplo: Tudo em nome dos cliques (e do dinheiro): no Marketing Digital, os fins realmente justificam os meios?

Histórias importantes na sua vida (não apenas profissional)

No fundo, você não precisa se preocupar tanto com o efeito que contar uma história vai proporcionar na sua audiência.

Porque, se algo foi importante para você a ponto de você se orgulhar de contar, tem uma chance gigantesca disso fazer sentido para outras pessoas e acabar marcando-as de alguma maneira.

Uma das maiores belezas do storytelling é que nem tudo precisa ser tão racional assim.

📝 Exemplo não tão racional assim: O dia em que aprendi a fazer bolo (ou quase isso)

Além de narrativas pessoais

Você pode até mesmo trabalhar com histórias relacionadas às suas principais referências e símbolos para associá-las à sua marca.

Por exemplo, se você se inspira muito em algum autor específico, ou autora específica, faz total sentido citar essa referência e de tempos em tempos.

Aos poucos, o próprio nome dessa pessoa acaba se tornando algo que ajuda sua audiência a se lembrar de você.

📝 Exemplo: O dia em que Johnny Cash calou a Casa Branca

Se você notar, vai ver que cada história que eu conto acaba reforçando alguma crença ou valor — mesmo que não seja intencional.

Especialmente quando é algo que você conta com paixão, você acaba transbordando sua essência naquele texto.

Todas essas histórias, inclusive, podem ser revisitadas e recontadas de tempos em tempos.

Use, abuse, conte e reconte. Sem moderação.

Aos poucos, elas ajudam a fortalecer a imagem que as pessoas formam de você e, com o tempo, essa imagem se torna sua marca pessoal.

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Tudo em nome dos cliques: vale a pena apostar todas suas fichas em um “viral”? https://dimitrivieira.com/tudo-por-um-viral/ https://dimitrivieira.com/tudo-por-um-viral/#respond Wed, 03 May 2023 00:28:05 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=9080 2 milhões e 800 mil pessoas. Um único post.

É cada vez mais comum vermos pessoas ostentando métricas assim, não é? Agora, o que esses números te contam?

Esse foi o resultado de um conteúdo meu e já vamos falar sobre ele.

Primeiro, precisamos conversar sobre o fenômeno que se tornou viralizar nas redes sociais. Numa era em que 75% dos jovens brasileiros sonha ser influenciador digital, ter um post viral se tornou o pote de ouro do outro lado do arco-íris.

Todos os dias, conhecemos uma nova história de alguém que explodiu depois de um único post alcançar milhares de pessoas. É o novo “estourou da noite pro dia”.

Para muitas pessoas, viralizar se tornou um caminho. Para outras, mais do que trajetória, é a única finalidade de criar qualquer conteúdo.

Mas o que existe por trás de um viral?

Para começarmos essa conversa, poderia escolher vários exemplos: Luva de Pedreiro, Lil Nas X ficando milionário do dia para a noite graças ao TikTok, Anitta conquistando o topo do Spotify Global com uma música lançada meses atrás que — adivinha? — viralizou nas redes sociais.

Preferi escolher um exemplo que conheço bem e que aconteceu antes da rede social das dancinhas nascer.

O nascimento de um viral

3,4 bilhões de visualizações. Esse é o número atualizado do clipe de uma música publicado no YouTube em 2012, de um cantor folk, que continua no Top 30 vídeos do YouTube até hoje.

Na época, o compositor já fazia seus shows, mas passava boa parte do tempo como um artista de rua, apresentando-se com a capa do violão sempre aberta para receber uns trocados e com algumas cópias de seus CDs à venda.

Nessa fase da carreira, ele convivia com muitas pessoas de origens e histórias diferentes. Nas ruas, praças e em hostels.

Muitas dessas histórias acabaram se tornando algumas das minhas músicas preferidas que ele escreveu.

Talvez, quem sabe, alguma delas seria seu grande hit que o tornaria mundialmente conhecido e faria com que ele não precisasse mais ser um artista de rua?

Não foi o que aconteceu.

Mike Rosenberg, mais conhecido como Passenger e mais conhecido ainda como cantor de Let Her Go, escreveu uma música que ele próprio descreve como uma canção clichê sobre um término de relacionamento.

Foi ela que alcançou o topo em 16 países, mais de 3 bilhões de pessoas no YouTube e chegou a ser o vídeo mais assistido na história da Austrália.

Como um bom fã chato, é claro que aprendi a detestar Let Her Go e, sempre que posso, faço questão de passar a música. Então, aqui, não teria como fazer diferente.

Em vez de um vídeo dela, prefiro te mostrar esse abaixo, mas tem um motivo especial (além do cover maravilhoso de Don’t Think Twice, it’s Alright do Bob Dylan).

Esse vídeo foi gravado por alguém que passava pelas ruas de Hamburgo, no dia 17 de junho de 2012. Um mês antes do futuro hit do cantor ser postado.

É maravilhoso apertar o play e imaginar que o Mike do vídeo não fazia ideia que sua vida mudaria tanto em tão pouco tempo.

Fica ainda melhor se você conhece mais do trabalho do cantor.

A música autoral que ele canta, Words, somente seria lançada oficialmente em um álbum 3 anos depois, no excelente Whispers II. Isso é só um pequeno exemplo do repertório gigantesco do cantor, que lançou 14 álbuns na carreira até o momento.

Também é impressionante como a essência da sua performance em shows é a mesma do vídeo. Tive o prazer de ver três shows dele ao vivo e, inclusive, dois deles tiveram abertura do Stu Larsen — o mesmo cantor que o acompanha nessa gravação.

Let Her Go nunca foi fabricada para viralizar. Era apenas a próxima música — como ele sempre faz questão de contar após tocá-la em shows.

O que os números (não) contam?

Agora que o artigo ganhou uma trilha sonora, podemos voltar para o post de 2 milhões e 800 mil pessoas.

Era novembro de 2022, dia da estreia do Brasil na Copa do Mundo, o jogo mal tinha acabado e as redes sociais já estavam abarrotadas com histórias de superação e lições de moral inspiradas no gol do Richarlison.

Na época, estava divulgando meu trabalho e o curso de LinkedIn para Marcas Pessoais numa frequência maior. Decidi dar um respiro e, em vez de falar do gol do Brasil, decidi escrever sobre o canal onde assisti ao jogo: a estreia do Casimiro na transmissão da Copa.

Um texto rápido que não me tomou 10 minutos, uma pesquisa por uma foto do Cazé e pronto. O que seria apenas um respiro se tornou um dos meus posts com maior alcance no LinkedIn.

Em vez de teorizar sobre os motivos de ter tomado essa proporção toda, vamos nos ater aos números e aos resultados.

2 milhões e 800 mil.

Chama bastante atenção, rende um belo slide em apresentações para falar sobre o alcance orgânico do LinkedIn e foi um belo cartão de visitas para novas pessoas conhecerem meu trabalho — especialmente porque direcionei o foco do texto para Creator Economy.

Mas resultados mesmo? Já tive conteúdos com 20 curtidas que me trouxeram cliente, mas ainda não descobri alguém que chegou especificamente por esse post do Cazé.

Na maioria das histórias contadas sobre virais, os números impressionam, mas não te contam a história toda — especialmente se contadas pelos autores dos virais.

Quando não tem um contexto, então, pode desconfiar sempre.

Não vou mentir, faz muito bem pro ego ter um post com um alcance desses e é justamente assim que a busca por um viral pode se tornar uma armadilha.

A armadilha da busca constante por um viral

Quando algo ganha uma lei, é fácil ver que o buraco é mais embaixo.

É o caso da placa de proibição inusitada que encontramos por aí: se ela existe, é porque já houve problemas o bastante com aquilo para justificar uma placa.

E graças a um artigo recente do Vitor Peçanha, descobri que existe uma lei para essa discussão:


“Quando uma medida se torna uma meta, ela deixa de ser uma boa medida.”

Charles Goodhart – 1975


Um exemplo dessa lei, que o Peçanha trouxe no texto, aconteceu na Índia durante o domínio britânico. Na tentativa de reduzir a população de cobras venenosas, os governantes passaram a pagar uma recompensa por cada cobra que os locais conseguissem capturar.

O resultado?

Em vez de apenas capturar cobras, não demorou para os indianos começarem a criar suas próprias cobras para aumentar suas rendas. Vendo que a situação piorava, os britânicos pararam de pagar pelos animais e os locais que criavam cobras em cativeiro soltaram todas na natureza.

É sedutor falar apenas de temas em alta para tentar repetir a dose de dopamina de um viral. Nessas horas, o criador de conteúdo do LinkedIn se torna especialista em carreira, mercado de trabalho e investe pesado em indiretas para a ex(empresa).

Eu poderia me tornar o “especialista em Casimiro”. O Passenger poderia apostar apenas em clichês românticos. E poderia — aliás, pode — funcionar.

Mas, se tudo o que você faz é tentar criar um viral, o que as pessoas vão encontrar quando chegarem em seu perfil? Uma miscelânea de temas em alta e frases de efeito?

Se milhares de pessoas conhecerem você dessa forma, vai surtir algum efeito positivo além da dose de dopamina? Porque, na melhor das hipóteses, um viral se torna um belo cartão de visitas para conhecerem seu trabalho.

Mas e quando o seu trabalho se torna viralizar?

Histórias de virais trazem uma visão distorcida pelo efeito da retrospectiva. Na maioria dos casos, o criador apenas fazia seu trabalho, em vez de fabricar virais.

Inverter essa ordem até pode funcionar, mas a busca desenfreada para viralizar a qualquer custo costuma trazer efeitos colaterais na identidade e na essência do criador.

Vale pagar esse preço para apostar todas as suas fichas em um viral?

O próprio Passenger dá a resposta em outra música.


“A única coisa que eu sei, a única coisa que me dizem é que tenho que me vender se quiser vender minha música. Não quero que o diabo leve minha alma. Escrevo músicas que vêm do coração e não dou a mínima se elas vão entrar nas paradas ou não. A única forma de ser verdadeiro é dizer o que eu vejo e não ter nenhuma sombra pairando sobre mim.

(…)

Não quero parar, não serei persuadido a escrever palavras nas quais não acredito para ver meu rosto em uma tela de vídeo.”

— “27”, Passenger


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Dahmer: uma aula de Storytelling para quem tem estômago https://dimitrivieira.com/dahmer-netflix-storytelling/ https://dimitrivieira.com/dahmer-netflix-storytelling/#respond Fri, 07 Oct 2022 12:33:14 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=7661 Com 5 dias da série disponível na Netflix, “Dahmer: Um Canibal Americano” atraiu uma audiência de 196,2 milhões de horas assistidas e superou a marca de 63,1 milhões de Round 6 em sua semana de lançamento.

Oficialmente se tornou a estreia de série mais assistida na Netflix e também a maior atração da plataforma de streaming desde a quarta temporada de Stranger Things.

Mas será mesmo que pode ser chamada de “estreia”?

Um gênero e uma história já “validados”

Esta série especificamente produzida pela Netflix, sim, é inédita. Mas a história de Jeffrey Dahmer e seus crimes, não.

Desde que chocou o mundo em 1991, quando foi preso, entre documentários, filmes e séries, foram lançados 8 shows sobre Dahmer.

Com a série “Dahmer: Um Canibal Americano”, 9. E acredite se quiser, enquanto escrevo este artigo, a Netflix estreia em sua plataforma “Conversando com um serial killer: O Canibal De Milwaukee” e chegamos a 10.

Então, é inegável: o gênero de True Crime atrai a obsessão de milhões de pessoas e a própria história de Dahmer também é obsessão à parte “validada”.

E a Netflix, que sempre soube trabalhar com algoritmos para criar suas novas produções, não deixaria passar uma oportunidade como essa. Mas entra também uma dificuldade: como criar uma versão inédita de uma história contada e recontada tantas vezes?

Uma nova visão sobre Dahmer?

Se você já leu algum conteúdo sobre Storytelling ou a arte de contar histórias, certamente se deparou com algo dizendo que a importância das histórias é que elas humanizam ainda mais as marcas e até mesmo as pessoas.

E quando o protagonista é um serial killer que cometeu crimes tão absurdos e hediondos quanto Dahmer? Será que vale mesmo a pena humanizá-lo?

Para mim, esse foi o grande acerto da série dirigida por Ryan Murphy — famoso por American Horror Story.

Ao trazer sua história de infância e as dificuldades enfrentadas pelo serial killer, a produção acaba humanizando ele também. É inevitável. Porém, a série faz o possível para colocá-lo na posição de coadjuvante e tornar as vítimas protagonistas.

Tanto que meus episódios preferidos foram justamente o 6 e o 7, “Silenciado” e “Cassandra”, que colocam Tony Hughes e Glenda Cleveland, que sofreram na mão do assassino, assumindo o protagonismo.

Essa inversão de papéis é fundamental para amenizar o efeito de silenciar e apagar suas vítimas, enquanto Dahmer ganha os holofotes.

Amenizar, mas não evitar, porque convenhamos: qual o nome em destaque no título da série mesmo?

A monstruosidade e a tensão não estão em cenas explícitas

Após ver a série, me deparei com alguns comentários na internet dizendo que ela não é tão pesada assim, porque não tem cenas explícitas. Ou até mesmo comparando com filmes como “Jogos Mortais”, que seriam mais pesados.

Apostar na violência gráfica e explícita seria uma escolha até mais fácil aqui, mas ainda bem que as cenas de assassinatos não são mostradas, viu? Ou seria ainda mais difícil assistir à série, que já é pesada demais da forma que foi produzida.

Em vez disso, a tensão é sempre construída de uma forma absurda com Dahmer atraindo suas vítimas desde o bar, até sua casa, até seu quarto.

Quando estão trancados juntos ali, é como se nós também estivéssemos e, como ele sempre drogava as pessoas para deixá-las desacordadas, não mostrar os detalhes é uma forma da série nos colocar ainda mais na pele de quem sofreu naquela casa.

Depois de entendermos a dinâmica de seus assassinatos, um simples “oi” dito por ele para iniciar conversa no bar consegue causar muito mais medo e desconforto que qualquer cena de “Jogos Mortais”.

E além da monstruosidade dos crimes e pela tensão construída escondendo os detalhes, outro grande vilão muito bem retratado pela série é o preconceito.

Jeffrey Dahmer era gay, morava numa região mais pobre de Milwaukee e a maioria de suas vítimas eram homens negros gays.

Antes de ser finalmente preso em 1991, houveram várias situações que a polícia poderia ter investigado e poupado várias vidas. Mas simplesmente não se importaram.

Em alguns momentos, por Jeff ser branco e um homem negro prestar queixa conta ele. Em outros, por não se preocuparem com a região mais pobre onde ele morava.

Porque ligações para a polícia não faltaram. Uma delas, feita por Glenda Cleveland, é mostrada em sua versão real após o episódio 2, “Não vai, por favor”.

Uma série baseada em fatos reais precisa ser 100% verídica?

Como meus episódios preferidos foram “Silenciado” e “Cassandra”, não poderia deixar de levantar essa discussão por aqui.

“Silenciado”, pra mim, foi o melhor episódio de toda a série. Mas e se eu te falar que é um dos episódios mais fictícios?

Todo o episódio é focado em Tony Hughes e ele começa após o vermos entrando com Dahmer em sua cana ao final do episódio 5. Sabendo o que costumava acontecer com quem entrava ali, conhecemos toda a sua trajetória torcendo para que ele escape.

Além de negro e gay, Tony também era surdo.

Quando conhece Jeffrey, ele estava começando a realizar seu sonho de ter uma carreira como modelo e, na série, os dois desenvolvem o relacionamento romântico mais natural que Dahmer tem na série: encontram-se várias vezes e temos até uma esperança de que ficaria tudo bem.

Porém, durante sua confissão, o assassino disse que não conhecia Tony antes da noite que o assassinou.

Com Glenda Cleveland, acontece algo parecido: a verdadeira Glenda morava no prédio ao lado e foi ela quem ligou inúmeras vezes para a polícia, mas quem morava no apartamento ao lado do de Jeffrey era Pamela Bass.

A Glenda da série é uma mistura dessas duas pessoas.

Quando isso acontece, é comum aparecer discussões sobre a série não se ater aos fatos e a verdade é que não existe mesmo essa necessidade.

Quando são feitas adaptações ou acréscimos que contribuem com a narrativa, costumam ser muito bem-vindos e é o que acontece aqui.

Em 10 episódios, não daria para colocar em foco muitas pessoas que sofreram com Dahmer. Então, a escolha foi centralizar todo o sofrimento dos vizinhos na personagem de Glenda e o mesmo foi feito com as vítimas, no personagem de Tony.

É revoltante, é pesada, mas, se você tiver estômago para passar pelos primeiros episódios, vai ser difícil parar de assistir — mesmo sabendo que todas as respostas já estão no Google.

E vai ser ainda mais difícil não se emocionar com o episódio 6.

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Nope: a sociedade da espetacularização e o universo dos criadores de conteúdo https://dimitrivieira.com/nope-sociedade-da-espetacularizacao/ https://dimitrivieira.com/nope-sociedade-da-espetacularizacao/#respond Fri, 09 Sep 2022 14:46:34 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=7573 ⚠ Esse texto contém spoilers de “Não! Não olhe!”, do Jordan Peele.

É um privilégio ser contemporâneo de um diretor e roteirista como Jordan Peele.

Logo com seu primeiro filme, “Corra”, levou o Oscar de melhor roteiro original. E com “Nós”, deixou ainda mais nítido que era um dos principais nomes da nova geração do cinema.

Ao lançar “Nope” — “Não! Não olhe!” no Brasil (provavelmente porque “Não olhe pra cima” foi usado no ano passado) — Jordan Peele já estava no patamar de “preciso ver tudo o que ele lançar” para muita gente.

Eu sou uma dessas pessoas.

E não vou mentir: como a barra estava bem alta, principalmente por causa de “Corra”, não saí tão maravilhado assim com o filme de imediato. Mas, depois de alguns dias e digerir um pouco melhor, as alegorias que ele constrói na trama me acertaram em cheio.

Por um motivo simples: as críticas e reflexões que ele levanta sobre Hollywood também encaixam com perfeição no universo da criação de conteúdo.

Um soco na cara dos clichês?

A história de “Nope” se passa nos arredores de Hollywood, num dos cenários mais gastos por eles: os faroestes.

Depois de explorarem esse gênero ao máximo, hoje em dia é cada vez mais raro vermos novas produções nesse estilo ou ambiente. Mais raro ainda é vermos alguma abordagem inédita ali.

O excelente “Ataque dos Cães” é uma rara exceção e o novo filme de Jordan Peele, também. Ainda mais quando ele acrescenta um OVNI à trama e tem um protagonista interpretado por Daniel Kaluuya, que foge completamente do que se imaginaria de um “cowboy protagonista de faroestes”.

Quando nos traz essa visão diferente de um gênero tão gasto, ele dá pista de qual seria a principal temática do filme. Afinal, quem foi que gastou tanto assim os faroestes? Não foi Hollywood? Ou talvez, os criadores de conteúdo?

Além disso, vale uma menção honrosa para a forma como ele brinca com um clichê em um dado momento do filme.

Num dos momentos mais tensos de “Nope”, Jordan Peele nos entrega um alienígena de forma bem previsível. Então, literalmente, dá um murro na cara do clichê.

A espetacularização de tudo

“Um filme sobre espetáculo, e sobre nossa relação sombria com o espetáculo.”

Foi assim que Jordan Peele resumiu “Nope” em sua entrevista para Today. Mas ele também detalhou um pouco mais:

“Quando estamos dirigindo, estamos no trânsito e acontece um acidente que deixe o trânsito mais lento, isso acontece porque todos estão tentando espiar aquele espetáculo horrível.”

Então ele decidiu fazer um filme justamente sobre esse tema e, claro, encontrou uma forma mais discreta de dizer isso na abertura citando a Bíblia: “Lançarei sobre ti imundícies abomináveis, te envergonharei e farei de você um espetáculo.” 

O OVNI da trama, na verdade, é um mero pretexto para nos mostrar a relação das pessoas com a sua “espetacularização”. E como cada um busca, à sua maneira, a fama, o reconhecimento e o retorno financeiro a partir do que poderiam tirar dele.

Visibilidade instantânea a qualquer custo

O repórter do TMZ é a personificação perfeita pelo retorno imediato e a qualquer custo, mas mirando sempre no mínimo custo possível.

Seu único objetivo é ser o primeiro a criar algum registro do espetáculo que as pessoas tanto desejam ver. Seja um novo evento, seja a morte de uma celebridade, ou uma novidade.

Se precisar, pode ter certeza que apelaria para teorias mirabolantes com gravações de má qualidade.

Exploração para retorno imediato (inclusive dos próprios traumas)

No caso de Jupe, ele já havia explorado um trauma da própria vida para transformar em um espetáculo que lhe trouxesse dinheiro: o episódio em que um macaco atacou todo o elenco de um sitcom e ele foi o único a escapar ileso.

Após fazer isso com a própria vida e ver que dava retorno, ele não hesita em fazer também com OVNI e cria uma experiência que as pessoas precisavam pagar para testemunhar aquilo.

Busca idealista pela grande cena

No extremo oposto dos dois primeiros, Holst, o diretor de fotografia que vai até a fazenda para registrar o OVNI com uma câmera mecânica, busca uma única coisa: o registro da grande cena e do grande espetáculo.

Enquanto Jupe e o repórter do TMZ estão dispostos a arriscar a própria vida — desde que tenham um registro monetizável disso —, Holst está disposto a fazer o mesmo para capturar a versão perfeita do espetáculo, mesmo que ninguém veja.

No próprio filme, ele comenta antes que sempre guardava algumas versões de suas filmagens apenas para ele. É a personificação do desejo de se criar uma versão idealista e perfeita, que ninguém jamais verá.

Luta por reconhecimento e justiça históricos, além da fama

No caso de Emerald, ela deseja sim a fama e o reconhecimento, mas para conquistar justiça histórica.

Se a história ignorou o homem negro no cavalo no primeiro registro cinematográfico da história, ela poderia garantir que o primeiro registro de um OVNI seria feito por ela.

Em vez de tentar qualquer registro para ser a primeira, ela faz questão de ter uma prova irrefutável antes de buscar a fama.

Fama como consequência

OJ é um caso à parte na alegoria. Seu grande desejo é seguir com o legado de seu pai e continuar trabalhando ali na fazenda.

O personagem de Daniel Kaluuya mostra quase um desprezo pela espetacularização dos eventos e tem um respeito enorme pelos animais. É esse respeito, inclusive, que facilita que ele descubra que, para não ser levado pelo OVNI, bastava não olhar diretamente para ele.

Sem OJ na história, o desejo dos personagens registrarem aquilo para que outras pessoas pudessem testemunhar poderia acabar num desastre ainda maior.

E na criação de conteúdo?

Daria para fechar com uma pergunta a la quiz de internet: “quem é você na criação de conteúdo?”.

Mas raramente veríamos alguém dizendo que são o personagem do Jupe, ou o repórter do TMZ.

O que vemos de uma forma bem generalizada, na prática, é uma bela corrida até o pote do outro lado do arco-íris — que seria de biscoitos, nesse caso.

O exemplo mais imediato é a morte da Rainha Elizabeth II, e a enxurrada de posts e ensinamentos sobre tudo a partir disso. Desde lições de vida até ensinamentos sobre marketing.

Talvez, você não esteja lendo esse texto assim que foi publicado e o exemplo mais recente seja outro.

Mas essa é a beleza do trabalho que Jordan Peele fez aqui: ele constrói um grande espelho para a nossa “sociedade da espetacularização” e a forma como produzimos e consumimos um conteúdo.

Gastamos e sacrificamos um tema, ou talvez até nós mesmos, ao máximo — enquanto estiver trazendo algum retorno.

Até quando?

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A genialidade caótica de um clássico instantâneo: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo https://dimitrivieira.com/tudo-em-todo-lugar-ao-mesmo-tempo/ https://dimitrivieira.com/tudo-em-todo-lugar-ao-mesmo-tempo/#respond Mon, 22 Aug 2022 14:05:20 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=7250 ⚠ Antes de qualquer coisa, um aviso: não leia este texto se você ainda não viu o filme.

Sua experiência e sua sensação ao ver “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” valem muito mais que qualquer análise que você possa encontrar na internet, incluindo a minha.

Por isso, nem me darei ao trabalho de escrever uma sinopse para apresentar a trama a quem ainda não viu, como costumo fazer.

Não é todo dia que surge um filme com os requintes de um clássico instantâneo.

Nos últimos anos, colocaria apenas três dos que assisti nessa classificação: Coringa, Parasita e, agora, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.

E a produção mais recente, dirigida por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, começa fazendo algo que Parasita também soube fazer muito bem: a transição entre diversos gêneros.

Do intimista ao complexo e ao besteirol

As primeiras cenas nos apresentam a família Wang em sua casa, logo acima da lavanderia que os sustenta e temos vários traços de um drama intimista.

Dificuldades financeiras, problemas com a receita federal (IRS), além de relacionamentos conturbados entre os Wang.

Enquanto o marido, Waymond, se prepara para pedir o divórcio a Evelyn, ela não consegue admitir a orientação sexual da filha para apresentar sua namorada ao pai, Gong Gong.

E ainda existe uma tensão muito grande com a chegada de Gong Gong, anunciando problemas mal resolvidos entre ele e sua filha.

Logo depois da situação em que Evelyn apresenta a namorada de sua filha, Joy, ao pai como se fossem amigas, um diálogo que parecia ser um pedido de desculpas da mãe é um prenúncio do estilo de humor que veremos.

Em vez disso, ela diz apenas “Você precisa comer melhor. Você está engordando!”.

Depois disso, o filme passa a mesclar diálogos profundos e situações complexas, com situações bizarras e trechos dignos de uma comédia besteirol.

E faz isso de forma genial, como se estivesse nos anestesiando ou amenizando algumas pancadas de diálogos como o momento em que Waymond diz:

“Você tem tantos objetivos não realizados e sonhos que você jamais seguiu. Você está vivendo a pior você.”

Sonhos abandonados e vidas não vividas

O que parece ser simplesmente um multiverso é uma forma surreal de tratar os “e se” da vida de Evelyn, com cada realidade sendo acessada com uma espécie de serendipidade caótica.

Com uma ação inusitada, ela tem acesso a outra realidade e, novamente, as bizarrices têm um papel importante. Dessa vez, para nos desarmar.

Quando somos apresentados a uma realidade em que as pessoas têm dedos de salsicha, ou ao Raccacoonie, não nos preocupamos em procurar sentido naquilo.Simplesmente aceitamos e seguimos com a trama.

Mas o diretor, Daniel Kwan, fez questão de incluir os dedos de salsicha por outro motivo também:


“Esses são os momentos estranhos que tornam a vida tão especial e tornam o peso insuportável da consciência um pouco mais suportável.”

Daniel Kwan, SYFY Wire


Niilismo vs. Existencialismo

Após acessar todas as suas versões do multiverso, a vilã Jobu Tupaki (Chewbacca?) se torna a personificação do Niilismo na trama, e passa a desacreditar e rejeitar qualquer significado.

Baseando-se na ideia de que, com acesso a infinitas possibilidades e realidades, nenhuma delas importa — criando um vazio existencial por excesso de informação.

Esse vazio é perfeitamente representado na figura do Everything Bagel.

E o melhor é a explicação de como surgiu a ideia dessa rosquinha:


“Existe um cálculo científico que você pode fazer para qualquer objeto no universo chamado Raio de Schwarzschild, que transforma o objeto  em um buraco negro quando você o comprime nesse raio (…) a ideia é que, em uma certa densidade, qualquer coisa pode se tornar um buraco negro. Não seria engraçado se ela fizesse isso com um bagel?”

Daniel Kwan, Vulture


Na primeira metade do filme, temos a impressão que essa rosquinha foi construída para destruir o mundo e, na segunda metade, entendemos que era para Joy se autodestruir.

Mais uma forma de trabalhar com bizarrices para suavizar temas bem mais profundos, quando o vazio existencial por excesso de informação faz da vilã depressiva a ponto de construir algo para se matar.

Em contrapartida, o filme também trabalha o Existencialismo na ingenuidade de Waymond.

Se Joy personifica o Niilismo após acessar todo o multiverso, é como se o desconhecimento de Waymond permitisse que ele encontrasse significado em pequenos momentos e pequenas coisas.

E se o Everything Bagel era a representação perfeita na anulação de qualquer significado, são os Googly Eyes que representam o Existencialismo de Waymond.

Aqui, a dualidade entre Niilismo e Existencialismo se torna mais visual do que nunca, com a rosquinha e o olho funcionando quase como um Yin-Yang.

Tanto que a Evelyn somente consegue salvar Joy após fixar um Googly Eye em sua testa, ao reconhecer a importância da ingenuidade de seu marido e abraçando o Existencialismo.

Além de também fazer alusão ao terceiro olho, que, na tradição hindu, representa o centro da energia sutil da consciência e da espiritualidade, e reforça o objetivo de transmitir paz de espírito para aqueles que aderem à prática.

Muito além do multiverso

Pelo momento em que foi lançado, a comparação mais comum é com o universo da Marvel e, especialmente, com Dr. Estranho no Multiverso da Loucura.

Mas, como os próprios diretores reconhecem, foi a série Rick and Morty que trabalhou os conceitos do multiverso de forma mais parecida com o filme:


“Assistir à segunda temporada de Rick and Morty foi doloroso. Eu fiquei tipo ‘eles já fizeram todas as ideias que achávamos originais!’ Foi uma experiência realmente frustrante. Então parei de assistir Rick e Morty enquanto escrevíamos este projeto.”

Daniel Kwan, Vulture


Mas se engana quem pensa que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é só um filme de multiverso.

Além das incontáveis referências, sutis ou escancaradas, desde Ratatouille até Super Smash Bross, o multiverso aqui é uma bela metalinguagem para o momento em que vivemos.

Basta dar uma olhada nessa imagem sem o contexto do filme.

Ou lembrar do excesso de informação criando o vazio existencial

O Niilismo de Multiverso, que conhecemos com a Joy, é o Niilismo Moderno que vivemos.


“Nas últimas décadas, estivemos nesse lugar realmente perigoso como uma sociedade onde estamos mergulhados no pós-modernismo, mas não há nada de cura no pós-modernismo. É um lugar tão desconstrutivo e desestabilizador para existir.”

Daniel Kwan, SYFY Wire


Mas, claro, os Daniels precisavam encontrar algo para balancear tanto caos e tanto ruído, e foi justamente nesse contraponto que eles trouxeram uma cena que já nasceu icônica.

Sobre a suposta ingenuidade de Waymond:

“Quando escolho ver o lado bom das coisas, não estou sendo ingênuo. É estratégico e necessário. É como aprendi a sobreviver a qualquer coisa.”

E como Daniel Scheinert disse, um dos grandes desafios ao escrever o filme foi encontrar uma forma de levar a audiência até o fundo do poço e, após chegar lá, como fariam para tirar o público de lá. Por consequência, como tirar eles próprios de lá.


“Que desafio terapêutico criamos para nós mesmos!”

Daniel Scheinert, SYFY Wire

Um belíssimo exercício terapêutico, a atuação da vida de Michelle Yeoh e, na minha opinião, o filme do ano até agora em 2022.

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Batman e a arte de recontar uma história conhecida de forma inédita https://dimitrivieira.com/batman-e-a-arte-de-recontar-uma-historia/ https://dimitrivieira.com/batman-e-a-arte-de-recontar-uma-historia/#respond Fri, 18 Mar 2022 13:33:47 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=6834 [Atenção! Este texto contém spoilers!]

Escrever textos como esse me dá prejuízo.

Depois de ler, pesquisar e escrever um texto sobre algumas das principais referências que inspiraram o Batman de Matt Reeves, foi impossível resistir à vontade de voltar aos cinemas.

A última vez que isso aconteceu — coincidência, ou não — foi com o Coringa, em 2019.

Da mesma forma que Todd Philips trouxe uma versão inédita do Palhaço do Crime para os cinemas, Matt Reeves conseguiu fazer isso com o Batman.

No caso do herói, é um pouco mais desafiador, porque preciso reforçar que, contando filmes focados em sua história e algumas participações, como em Esquadrão Suicida, existem 12 filmes com o personagem.

E a maioria começa pelo caminho mais óbvio, com o assassinato dos pais de Bruce Wayne sendo o catalisador para ele se tornar o Batman.

Na versão de Matt Reeves, não é bem assim e já vamos entrar em detalhes.

Enquanto escrevia, também percebi que poderia dissertar e analisar o filme inteiro neste artigo, e acabaria correndo para o ingresso.com para assistir de novo.

Então, vamos nos ater a dois momentos principais: a introdução e o desfecho — começando pela primeira aparição do Batman nesse novo universo.

União pelas sombras, cicatrizes e traumas

Antes do herói, somos apresentados ao vilão do filme, Charada.

E se você notar, a primeira aparição dele e do Batman acontecem da mesma forma, com os dois saindo da sombra.

O Cavaleiro das Trevas abre a sua participação com um monólogo, chega a dizer que ele é a sombra e usa a escuridão como um disfarce para amedrontar criminosos; então, somos apresentados à sua figura com ele caminhando para sair das sombras.

Em vez de um discurso, acompanhamos um Charada ofegante como o prelúdio de seu primeiro crime e sua primeira aparição também acontece com ele saindo da sombra.

A diferença é que o antagonista permanece estático e é a mudança de iluminação que o expõe.

Isso diz muito sobre o ponto de partida dos dois, porque herói e vilão nascem da descrença nas instituições políticas e no sistema. Foi a mesma Gotham hostil e corruptora que os incentivou a vestir suas máscaras, irem para as ruas e os transformou nos animais noturnos que testemunhamos.

Diferente de outros filmes, não vemos o Batman como ídolo ou ícone, mas como uma figura estranha. A cada investigação policial, sua presença causa incômodo e, logo na abertura, o personagem resgatado fica na dúvida se seria salvo ou agredido pelo herói.

Temos ainda um Bruce Wayne praticamente inexistente quando tira a máscara, sustentado pelo trauma da morte dos pais e numa eterna busca por vingança.

Quando pensamos em Selina Kyle, James Gordon e Alfred, os traumas e cicatrizes deixados pela corrupção e sujeira da cidade são também fortes motivações.

Enquanto Selina busca vingar sua mãe e sua amiga; Gordon se esforça por manter a integridade no departamento de polícia; e Alfred, como ex-militar, é atormentado por não ter conseguido salvar os Waynes e ainda ostenta as cicatrizes da culpa de não ter sido a figura paterna que Bruce precisava.

Voltando à apresentação visual do Batman, caminhando para fora das sombras, ela é um anúncio simples do que vamos testemunhar nas 3 horas de filme.

Sem pressa e no ritmo certo, para permitir o desenvolvimento emocional dos personagens e também o nosso — como telespectadores.

A construção visual da narrativa

Inspirado no trabalho do Edward Hopper e também nos filmes Noir, várias cenas parecem (ou são) filmadas através de vidros, ou em ambientes hermeticamente fechados — com pleonasmo mesmo, para reforçar a claustrofobia de alguns momentos.

Boa parte do filme se passa à noite e, mesmo quando é dia, a luz do sol mal parece fazer efeito e as cenas são desprovidas de cor.

Essa dessaturação e ambientação são representações dos próprios personagens, que se prendem às sombras e tem visões estreitas — deturpadas de acordo com cada trauma.

E agora sim, podemos falar da genialidade de Matt Reeves para introduzir o assassinato dos Waynes.

Uma história conhecida por um ângulo novo

O caminho mais fácil, nós já conhecemos.

Batman vs. Superman, por exemplo, trouxe uma bela alternativa de trazer a clássica cena sem se preocupar em apresentá-la como inédita.

Logo nos créditos de abertura, vemos um casal saindo do cinema com o filho, o cartaz da “A Máscara do Zorro” e nem precisamos esperar o assaltante surgir para saber qual será o desfecho.

Antes de entrar na nova versão, vale trazer um exemplo negativo de se trabalhar a origem do Batman como bastidores do personagem.

Não sei se você se lembra, mas, em Esquadrão Suicida — a versão desastrosa de 2016 — vemos o Cavaleiro das Trevas perseguir o Pistoleiro, acompanhado de sua filha em um beco, numa perspectiva parecida com a do assassino de seus pais.

Se você me perguntar, sabendo do trauma que isso trouxe na vida do Bruce Wayne, não acredito que ele assumiria o risco de proporcionar uma cicatriz parecida com a garota. Pelo menos, não da forma como acontece na cena.

Na versão do Matt Reeves, a introdução do assassinato não é explícita e a subjetividade fala mais alto.

Ainda na cena do primeiro crime do Charada, descobrimos com o Batman que foi o jovem filho do candidato a prefeito que encontrou seu corpo sem vida.

Nessa cena, o silêncio grita.

Mesmo sem ver o rosto de Robert Pattinson por baixo da máscara e da maquiagem, o olhar basta e a cumplicidade transcende à tela.

São alguns segundos que funcionam como referência para filmes intimistas.

Compartilhamos essa cumplicidade entre eles e não precisamos que ninguém nos conte que os pais de Bruce Wayne foram assassinados.

O silêncio e o olhar cumprem essa missão.

O Batman Noir, o batismo e a esperança

Como comentei no artigo sobre as referências que inspiraram o novo Batman, o Matt Reeves abraçou o Noir como um sub-gênero.

E quebrando o filme para analisar, encontramos uma narrativa Noir completa e das mais clássicas.

Partindo da visão de mundo pessimista e ambientação em uma cidade opressora, passando pelos personagens corruptíveis, pelo protagonista violento, até o desfecho pessimista.

O antagonista prova seu ponto e o personagem principal conclui ser incapaz de solucionar todo esse caos.

Se filmes como Chinatown ou Seven vieram à sua cabeça, não é mera coincidência.

E se você assistiu ao filme, sabe que essa cena abaixo marca o desfecho do que seria o Batman Noir.

Assim, fica ainda mais marcante a inspiração no trabalho do Edward Hopper e, quando lembramos que essa cena abre o trailer, aquele primeiro frame se torna quase um manifesto do que veríamos no filme.

Após o Charada ser preso, entramos numa espécie de ato final que abraça de vez o gênero de super-herói. Mas, ainda assim, Matt Reeves soube fazer isso de maneira maravilhosa.

Com a inundação de Gotham, temos uma espécie de batismo do Batman para reconstrução da cidade.

Após entender que não poderia ser apenas vingança e que precisava ser esperança, temos provavelmente a sequência do filme com mais cor.

Quando o Batman aciona o sinalizador com a luz vermelha alaranjada, ele aciona a esperança para a cidade de Gotham.

Quando ele estende o braço para ajudar o jovem, que encontrou o pai assassinado, ele estende o braço para si mesmo — resgatando-se do trauma da parte de seus pais.

Minutos depois de vilões atacarem o Batman e tentar remover sua capa, a composição da cena na água faz com que os cidadãos de Gotham se tornem sua capa.

A prévia da primeira aparição do herói se cumpre e o Batman caminha para fora das sombras.

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Principais referências de Batman: entenda a origem do sucesso do filme de Matt Reeves https://dimitrivieira.com/referencias-batman-matt-reeves/ https://dimitrivieira.com/referencias-batman-matt-reeves/#respond Wed, 09 Mar 2022 13:02:36 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=6808 [Atenção! Este texto contém spoilers!]

A nova versão do Batman, que chegou aos cinemas em 2022, superou todas as expectativas que eu tinha para o filme.

E um dos principais pontos positivos foram as referências usadas por Matt Reeves na construção do novo universo do Homem Morcego.

Por isso, em vez de apenas escrever um artigo analisando e desconstruindo a história, decidi primeiro falar apenas sobre as fontes de inspiração do longa-metragem.

Se você me acompanha há mais tempo, talvez se lembre que fiz a mesma coisa com Coringa, em 2019, analisando primeiro as referências e, depois, a construção narrativa do filme.

Repetindo a dose com o Batman, você vai notar que algumas referências são bem explícitas e outras, mais interpretativas.

O catálogo completo de filmes do Batman

Contando filmes focados em sua história e algumas participações, como em Esquadrão Suicida, existem 12 filmes sobre o herói.

Então, não se trata de uma história desconhecida e alguns eventos estão bem desgastados por excesso de repetição.

Por exemplo, quantas vezes você já assistiu à morte dos pais de Bruce Wayne em um filme ou série?

Nessa versão, é notável que houve uma preocupação de recontar o que era conhecido de forma inédita.

Em vez de focar no Bruce Wayne como protagonista e nos apresentar o assassinato como a origem do Batman, a versão de Matt Reeves começa direcionando a atenção para o Homem Morcego — dois anos após ter começado a combater o crime de Gotham.

Mesmo que o incidente seja mencionado no filme, é de forma menos óbvia.

Pela atmosfera sombria do filme e versões mais realistas dos personagens, também é possível acreditar em algumas inspirações na trilogia de Christopher Nolan. 

Nirvana e Kurt Cobain

Se você assistiu ao trailer do filme e conhece Nirvana, provavelmente a trilha sonora te chamou a atenção desde os primeiros segundos.

Something in the way e a voz de Kurt Cobain ditam o tom do trailer — até as composições originais compostas por Michael Giacchino assumirem.

Diferente de Esquadrão Suicida, que entrega uma série de músicas famosas para gerar a sensação de algo épico sendo construído, aqui, a música cumpre um papel na narrativa.

“No início, quando estava escrevendo, comecei a ouvir Nirvana, e havia algo sobre (a música) Something in the Way — que está no primeiro trailer —, que faz parte da voz desse personagem (…) ele é uma espécie de viciado em drogas. Sua droga é seu vício por esse desejo de vingança. Ele é como uma versão Kurt Cobain do Batman”.

Matt Reeves

Vale lembrar que Coringa fez algo bem parecido, ao trabalhar com músicas, principalmente com That’s Life, do Frank Sinatra.

E por ser uma música que fala muito sobre isolamento, Something in the way ajudou a construir uma ambientação perfeita para o Bruce Wayne e para outros personagens — também movidos por vingança.

Noir e Neo-Noir

Bem comuns nas décadas de 40 e 50, os filmes Noir tinham raízes na 2ª Guerra Mundial e refletiam desilusão da época, com uma visão de mundo pessimista. São ambientados em cidades sujas, opressoras e recheadas de problemas sociais.

Os personagens são corruptíveis e isso também se reflete no protagonista, que costuma ser violento, individualista e com uma conduta moral questionável.

Apesar de muitos filmes noir terem um detetive como protagonista, não é uma obrigação nesse estilo.

Outro traço marcante é a presença da Femme Fatale, uma personagem com objetivos dúbios e que oscila entre aliada, interesse amoroso e antagonista no decorrer da trama.

Vários filmes resgataram esse mesmo estilo mais tarde e podem ser classificados como Neo-Noir, como Chinatown, Taxi Driver, Drive, Sin City e Blade Runner 2049.

O Batman, de Matt Reeves, abraça o Neo-Noir como um sub-gênero e traz vários desses elementos na construção da narrativa.

Inclusive, se você se lembra de Taxi Driver, os monólogos introdutórios do Homem Morcego lembram bastante os do protagonista, Travis Bickle.

Nighthawks, de Edward Hopper

Antes de entrar em detalhes, preciso agradecer à Isabela Boscov e aproveitar a deixa para te apresentar ao trabalho dela, caso você ainda não conheça.

Foi graças à análise dela sobre o Batman que fiquei conhecendo esta referência e, facilmente, é uma das mais fascinantes.

O trabalho do pintor Edward Hopper ficou marcado por representações realistas da solidão contemporânea, como acontece em Nighthawks.

Finalizada em 1942, a pintura capta um sentimento parecido com o que inspirou o nascimento dos filmes Noir e, por serem contemporâneos, esse estilo de filme e o trabalho de Hopper se influenciaram.

De um lado, Hopper traz elementos visuais e figurinos bem presentes nesses longa-metragens.

Do outro, inúmeros filmes utilizaram suas pinturas como referências para construção dos cenários e filmagem.

Se você pesquisar, vai encontrar inúmeros exemplos de quadros de Hopper que influenciaram o cinema. Mas vou aproveitar para citar apenas um aqui: Ridley Scott, com Blade Runner.

“Eu mostrava constantemente uma reprodução desta pintura (Nighthawks) para a equipe de produção para ilustrar o visual e o humor que eu procurava.”

Ridley Scott

Para exemplificar sua influência em Batman, bastaria um print do primeiro frame do trailer do filme:

E além dessa cena específica, a filmagem através de vidros em vários momentos, ao lado desta construção sombria em ambientes fechados, quase claustrofóbicos, podem tranquilamente ter bebido na fonte de Hopper.

O assassino do Zodíaco e o trabalho de David Fincher

A inspiração para a construção do Charada como um serial killer veio direto do assassino do Zodíaco, que aterrorizou o norte da Califórnia na década de 60. Tanto visualmente, quanto pela comunicação com a polícia e a imprensa usando enigmas.

Com uma atualização e adequação do personagem ao universo das redes sociais.

O que inclui, por exemplo, uma live com um personagem precisando decifrar uma charada para sobreviver — no estilo Jogos Mortais. E também a criação de uma comunidade de seguidores do vilão.

Além do caminho óbvio de se inspirar no filme Zodíaco, do David Fincher, também é possível notar algumas semelhanças com Seven, do mesmo diretor. Principalmente pelo fato do assassino se entregar após completar os assassinatos que havia planejado.

E fiz questão de deixar esse tópico para o final para trazer um contraponto.

Em Zodíaco, a obsessão de Robert Graysmith, vivido por Jake Gyllenhaal, para desvendar quem era o serial killer e o fato dele não ser descoberto levam a um desfecho em tom pessimista.

Se você viu Seven, acho improvável que tenha se esquecido da cena final, também com um forte tom pessimista.

Além de ser característica de vários filmes Noir e Neo-Noir, são marcas que ficam no nosso imaginário e ajudam a tornar essas obras inesquecíveis.

No caso de Batman, apesar da inspiração no gênero, ainda estamos falando de um filme de super-herói e o final escolhe um caminho diferente — para enaltecer o personagem e desviar desse pessimismo.

E o Matt Reeves soube fazer isso de maneira maravilhosa, mas esse é um papo para quando formos desconstruir a construção narrativa do filme.

Enquanto isso, você notou mais alguma referência no filme?

Aproveita para me contar nos comentários 🙂

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O Dilema das Fórmulas Prontas e como usá-las a seu favor https://dimitrivieira.com/dilema-das-formulas/ https://dimitrivieira.com/dilema-das-formulas/#respond Thu, 20 Jan 2022 13:42:54 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=6468 Quando falamos em fórmulas prontas, especialmente no Marketing Digital, um fenômeno curioso costuma acontecer por conta da generalização e da polarização.

Uma forma de se ver é que a fórmula deve ser seguida à risca, como um checklist — marcando etapa por etapa, passo a passo — para garantir uma reprodução fiel.

E a outra forma, influenciada por essa primeira, costuma ir direto para o outro extremo.

Ao ver uma aplicação tão engessada, a resposta é condenar a fórmula afirmando que quem trabalha com estruturas prontas mata a sua criatividade.

Mas adianto que isso só acontece quando insistimos em aplicar algo que não estudamos a fundo.

Para te mostrar isso, vamos falar de uma das estruturas mais famosas dentro do Storytelling: a Jornada do Herói.

A transformação das fórmulas em checklists

Ao pesquisar no Google por “jornada do herói”, você vai encontrar inúmeros textos — inclusive, um que escrevi nos tempos de Rock Content — que simplificam suas 12 etapas em um texto de mil palavras.

Essa simplificação é necessária em textos assim, porque a pessoa que faz essa pesquisa quer encontrar um checklist.

Então, entregando isso para ela, as chances do texto aparecer melhor posicionado no Google aumentam consideravelmente.

Só que esses textos deveriam ser apenas um ponto de partida para compreender a Jornada do Herói, mas se tornaram o final. É daí que nascem os checklists.

O que é bem curioso, porque, logo no prefácio do livro que popularizou essa estrutura, “A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica para Escritores”, o autor Christopher Vogler crava que ela deveria ser usada como uma forma, não uma fórmula.

Justamente para evitar sua aplicação como um checklist, mas parece que muitas pessoas não chegaram até essa página do livro.

Reprodução VS Inovação

Antes de discutirmos se a fórmula mata sua criatividade e te atrapalha de inovar, vale reforçar como elas costumam nascer — numa espécie de engenharia reversa, ou análise em retrospectiva.

Rory Sutherland fala sobre esse processo com uma analogia fantástica em seu excelente livro, Alchemy: The Dark Art and Curious Science of Creating Magic in Brands, Business, and Life:


“Imagine que você está escalando uma montanha que nunca foi escalada antes. Lá de baixo, é impossível dizer quais encostas são transitáveis (…) Sua escolha envolve muitas tentativas e erros: as rotas são experimentadas e abandonadas; há retrocesso e travessia frequentes.

Muitas das decisões que você toma podem basear-se apenas em instinto ou boa sorte. Mas, eventualmente, você chega ao topo e, assim que chega lá, o caminho ideal é aparente.

Você pode olhar para baixo e ver qual teria sido o melhor caminho a seguir, e isso agora se torna ‘a rota padrão’.

Quando você descreve a rota que você fez para seus amigos montanhistas, você finge que foi a rota que você fez o tempo todo: com o benefício da retrospectiva, você declara que simplesmente escolheu essa rota por meio do bom senso.

— Rory SutherlandAlchemy: The Dark Art and Curious Science of Creating Magic in Brands, Business, and Life


Esse trecho até poderia ser usado para criticar a fórmula final da escalada por ela desconsiderar as nuances e facilitar o processo.

Porém, em vez disso, vejo muito mais sentido em considerarmos que elas existem, mesmo que elas não estejam representadas na estrutura pronta.

Só não pense que aquela rota vai funcionar se decidirmos segui-la à risca. E menos ainda que ela funciona para qualquer montanha.

Então, ao tentarmos reproduzir a escalada, precisamos acrescentar algumas nuances com nossas próprias tentativas e erros. Mas seguindo a rota traçada, teremos um caminho familiar.

Trazendo para a Jornada do Herói, essa familiaridade pode facilitar bastante sua vida quando usada como limitação criativa ao contar uma história e, mais ainda, pela familiaridade com a audiência.

Porque, quando descartamos quaisquer estruturas e trabalhamos com algo completamente caótico — escolhendo a total inovação em vez da reprodução —, a estranheza pode afastar as pessoas.

Não é à toa que Hollywood continua usando vários elementos da Jornada do Herói em filmes produzidos para ter sucesso numa escala global. Poucas histórias conseguem arrastar tantas pessoas para o cinema quanto essa boa e velha estrutura — temperada com algumas nuances.

Então, por que não fazermos o mesmo em nossos trabalhos?

Um convite para você que leu até aqui

Este texto é uma versão alternativa inspirada em uma das aulas do curso de Escrita Criativa e Storytelling, que está de portas abertas para a 10ª turma.

Para que você não fique dependente de fórmulas prontas, falamos sobre elas no começo do curso (módulo 3) — quando cobriremos as principais estruturas para contar boas histórias (não apenas a Jornada do Herói).

Depois disso, ainda termos outros 8 módulos para aprofundar no que uma história precisa ter além de uma jornada. Assim, você terá as fórmulas disponíveis no seu arsenal e no seu repertório, para usá-las sempre que precisar, mas sem ficar preso a nenhuma delas.

Se você quer desenvolver sua escrita para produzir conteúdos mais autênticos, atrair mais leitores e prender sua atenção, a hora é essa.

Porque o curso vai te ensinar isso na prática, com vários exemplos e estudos de caso, seguindo 4 pilares principais:

1. Storytelling
2. Experiência do usuário como leitor
3. Escrita Criativa
4. Copywriting

Tudo para que você aprenda como desenvolver uma narrativa capaz de atrair, conectar, envolver e emocionar seus próximos leitores e suas próximas leitoras.

E só para não te pegar de surpresa, esta turma será a última que terá direito ao acesso vitalício e as inscrições vão até dia 24/01 — vulgo “próxima segunda”.

Se quiser conferir a opinião de quem fez o curso, o depoimento mais recente que recebi foi do Guilherme Tonial:


“Um dos melhores cursos que já fiz sobre o tema, com dicas práticas objetivas e principalmente que funcionam. Me ajudou muito a desbloquear minha escrita, principalmente no começo da minha carreira.
Esse curso me ajudou a me afirmar como escritor e viver de escrita hoje, atuando como copywriter full-time. Dimitri é um excelente professor, didático com vários exemplos do dia a dia. Recomendo a todos que precisam de uma ajuda para melhorarem a sua qualidade de escrita e principalmente ter mais criatividade na hora de produzir conteúdo.”


Clique aqui para conferir todas as informações sobre o curso e fazer sua inscrição.

Se tiver qualquer dúvida, sinta-se em casa para me perguntar 🙂

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Missa da Meia-Noite: uma aula surreal de Storytelling construída com sutilezas e toques de terror https://dimitrivieira.com/missa-da-meia-noite-storytelling/ https://dimitrivieira.com/missa-da-meia-noite-storytelling/#respond Thu, 14 Oct 2021 14:44:47 +0000 https://dimitrivieira.com/?p=5223 Uma das melhores formas de se aprender mais sobre Storytelling é desconstruindo e analisando seus conteúdos preferidos. Se você me acompanha há mais tempo, provavelmente já me viu dizendo isso.

Quando digo conteúdos, vale para músicas, filmes e, claro, séries — como será o caso do texto de hoje.

Antes de começar a falar sobre Missa da Meia-Noite, precisamos falar sobre seu diretor e roteirista.

Mike Flanagan, hoje, é um dos maiores nomes quando se trata de filmes e séries de terror. Sua parceria com a Netflix rendeu as produções Maldição da Residência Hill e Maldição da Mansão Bly.

Depois de apertar o play na Maldição da Residência Hill esperando um clichê sobre mansões assombradas, minhas expectativas foram superadas e ganhei uma nova série preferida entre as produções da Netflix.

Desde então, faço questão de correr para assistir tudo que inclua o nome do diretor.

Já se passaram algumas semanas desde que assisti à Missa da Meia-Noite e confesso que não sei dizer ainda se superou a Residência Hill, ou não. Ainda estou digerindo tudo o que vi e, talvez, até o final deste artigo, eu consiga me decidir.

Antes da sinopse, deixa eu te adiantar que este artigo não terá spoilers.

Mike Flanagan fez um trabalho impecável para entregar cada elemento no momento perfeito.

Então, o mínimo que posso fazer é preservar sua experiência caso ainda não tenha assistido. Além de deixar você curioso o bastante para assistir ao primeiro episódio assim que terminar a leitura.

Uma sinopse para você que ainda não viu

Logo nos primeiros segundos, somos apresentados a Riley Flynn numa situação delicada.

Dirigindo embriagado, ele bate o carro, mata uma jovem e fica preso por 4 anos. Aterrorizado pela imagem da garota deitada no asfalto sem vida, seu período na prisão dura poucos minutos de tela.

Então, vemos que após conquistar sua liberdade, ele retorna para sua cidade natal, Crockett Island — uma ilha em decadência com 127 habitantes que parece caminhar para se tornar uma cidade fantasma.

Também acompanhamos a chegada do Padre Paul Hill à ilha, para substituir o antigo Monsenhor, que estava para retornar de uma viagem para Jerusalém.

E claro, eventos sobrenaturais começam a acontecer entre os membros da comunidade, que têm a religião católica como um forte elo para unir os habitantes.

Riley Flynn e Padre Paul Hill.

Construção natural do sobrenatural

Quem começa a ver Missa da Meia-Noite esperando uma sequência para as Maldições, tem uma quebra de expectativa inevitável.

Em vez de começar com um evento sobrenatural para te deixar tenso, a evolução é lenta e o começo é pacato — tão pacato quanto uma ilha de 127 habitantes seria.

No início, o foco principal é a ambientação e não demoramos a nos sentir como um morador de Crockett Island, frequentando as missas do recém-chegado padre aos domingos.

Mesmo com o ritmo devagar, sentimos uma tensão no ar e aquela clássica sensação de vai dar merda — confirmada aos poucos conforme os eventos sobrenaturais são introduzidos.

E aqui, o ritmo lento é uma peça-chave para construir uma verdadeira experiência imersiva e vivenciarmos cada momento como membros da comunidade.

Porém, outro elemento também é fundamental na construção da tensão.

A dualidade na trama

Enquanto Riley Flynn retorna à ilha como ateu, após buscar por Deus em todas as religiões possíveis enquanto estava preso, temos também a chegada do padre.

Essa é uma dualidade bem evidente na série e, desde o primeiro episódio, traz à tona diversas discussões sobre religião.

Uma sequência incrível também deixa isso claro nos primeiros minutos de série, revezando algumas cenas da celebração da missa com o encontro dos Alcoólicos Anônimos.

Outra dualidade tão importante quanto essa aparece na relação de Riley com outra personagem que acaba de retornar à ilha, Erin Greene.

Enquanto o retorno dele se justifica por ter tirado uma vida, o dela acontece por estar grávida e prestes a dar uma nova vida.

Por conta dessa dualidade, temos discussões incríveis sobre a existência, o significado da vida e o que acontece após a morte.


“O terror nos dá a oportunidade de olhar de verdade para nós mesmos e para as coisas que nos assustam, que nos perturbam, como sociedade e como indivíduos.”

— Mike Flanagan, em entrevista para o NY Times


Riley Flynn e Erin Greene.

O melhor projeto que Flanagan jamais faria

Para quem gosta de uma história de superação, a primeira vez que Mike Flanagan apresentou o projeto de Missa da Meia-Noite foi em 2014.

Na época, ninguém se interessou em produzir a série e ela foi recusada pela própria Netflix.

Enquanto dirigia outros filmes, Flanagan encontrou uma forma de inclui-la como easter egg e um livro com o mesmo título (Midnight Mass) aparece em Hush, de 2016, e Jogo Perigoso, de 2017.

Além da demora para emplacar, também é a produção mais vulnerável do diretor — que trabalha com adaptações na maioria de seus filmes e séries.

Onze anos se passaram desde que ele começou a trabalhar no roteiro da série e muito do que vemos nasce da experiência pessoal de Flanagan.

Quando criança, ele morou por algum tempo numa ilha — Governors Island, que fica na baía de Nova Iorque. Ele também foi coroinha e se assustou com algumas passagens do Antigo Testamento quando decidiu estudá-lo.

Mas a inspiração mais vulnerável vem do período que Mike Flanagan teve problemas com o alcoolismo:


“Meu maior medo não era morrer em um acidente de carro, ao dirigir bêbado. Era que eu mataria outra pessoa e sobreviveria.

— Mike Flanagan, em entrevista para o NY Times


Reflexões surreais que só uma boa história pode entregar

Com esses elementos e tanta inspiração na vida pessoal do diretor, Missa da Meia-Noite entrega uma experiência que só as melhores histórias podem proporcionar.

Seria fácil transformar a trama num conflito direto entre o ateu e os religiosos, ou até mesmo entre o ateu e o padre.

Em vez disso, ele nos permite vivenciar todos os acontecimentos ao lado dos personagens, enquanto a religião entra como uma espécie de subgênero para contextualizar os eventos sobrenaturais.


“Quando falamos sobre a vida após a morte e a alma, estamos falando sobre fantasmas. Não conseguimos evitar ser atraídos pela ideia de que a morte não é o fim, e que veremos as pessoas que perdemos novamente. Essa ideia é uma das coisas que me interessou em primeiro lugar pelo terror, e está por trás tanto das nossas religiões, quanto das nossas ficções de terror.”

— Mike Flanagan, em entrevista para o NY Times


Algumas pessoas até podem entender que a série critica a religião, mas não é bem assim.

As críticas sociais da série são direcionadas ao fanatismo religioso. Principalmente, ao ponto em que podemos chegar quando interpretamos as situações sempre a nosso favor.

Os diálogos são um espetáculo à parte e, sobre o final, vou dizer apenas três palavras.

Surreal. Catártico. Apoteótico.

Geralmente, esses adjetivos são exatos de forma exagerada, mas aqui não.

Só vou parar por aqui para preservar sua experiência com a série, e porque fiquei com vontade de rever o final só de falar sobre ele.

Se ainda não assistiu, pode se preparar para maratonar e, depois, fique à vontade para voltar e me agradecer. Aliás, tenho bastante inveja de você, porque você está prestes a ter a experiência de ver uma das melhores séries da Netflix pela 1ª vez.

Agora, é a sua vez de me dizer.

Conhece alguma outra série com a narrativa tão bem cuidada e trabalhada quanto essa? Me diz nos comentários, que estou curioso para conhecer sua recomendação.

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